12.6.09

O dia em que a terra tremeu

Era uma quarta o dia em que o céu escureceu no condado de Windsor. Pesadas gotas caíam do céu em uma tempestade magistral.

Todos sabiam que naquela noite o monarca seria executado, por ter instituído a tirania sobre seus súditos. Aqueles que possuíam fé escondiam-se em casa. O apocalipse se aproximava.

Nunca o condado tinha se transformado daquela maneira, tomado de medo. Todos temiam o monarca e há alguns anos, seus hábitos eram comentados por toda a cidade.

Alguns diziam que gostava de comer carne crua. Outros que as orgias eram constantes. Outros que sua alteza poderia ser a encarnação da própria besta.

Pelos cômodos do castelo podiam se ouvir os guinchos. Os serviçais se escondiam com medo da ira divina. O exército estava por toda a cidade e a tempestade castigava as plantações aos arredores sem nenhuma piedade.

De longe, morcegos voavam pela tempestade. A furtiva, quatro homens de capas pretas se infiltravam dentro do castelo com espadas que luziam sob as capas. Entre a solenidade, o capitão do pelotão estava a postos.

Preso a pesadas argolas de ferro, o monarca tinha a aparência mais aterrorizante. Depois de ter sido gravemente ferido, já não tinha mais forças pra se mover. Careca, com suas longas unhas, trajes rasgados, olhos brilhantes e presas, ele tinha a expressão de um medo que os humanos nunca tinham visto.

Os quatro homens se aproximavam do salão principal.

‘Ah Carlos, finalmente a sua hora chegou’ – disse o mais alto deles. Seus cabelos lisos batiam pelas orelhas e ele tinha uma expressão de vingança atingida.

O monarca só conseguia emitir guinchos, os cortes por todo o corpo já não se fechavam mais. Suas forças se esvaiam a cada segundo. Algo incontrolável gritava dentro de seu peito, e parecia estar em um transe que não terminaria mais.

‘Foram anos, mas hoje, essa sua brincadeirinha com os humanos termina. Achou que ia ficar impune, meu querido?’ – ia dizendo o homem. Seu rosto próximo ao do monarca, numa expressão de extremo prazer – ‘Pensou mesmo?’

Por um instante o monarca atingiu uma expressão de raiva, como se ainda pudesse se salvar do seu destino.

‘Ah Lucius, você sempre tão defensor desses humanos imundos’ - disse o monarca em meio a guinchos de dor e sua voz num tom metálico.

‘Esse é o som do fim da sua eternidade Carlos, esse é o som que você ouvirá ao chegar no inferno’ – disse então o homem, com um sorriso nos lábios.

‘Nós estamos acima do bem e do mal e escreva, um dia, essa sua manutenção da paz irá acabar, entraremos em guerra, você verá’ – guinchava cada vez mais alto o monarca. Seu corpo era atrofiado como ao de um esqueleto, e quem o conhecia diria que tinha envelhecido uns cem anos.

‘Você não pode se conter não é Carlos. Não. Gostou do poder, de suas festas, de suas orgias. De matar gente inocente só pra satisfazer sua fome. Hoje é a besta que te consome e é ela que fará com que você vá para o inferno!’ – disse o homem se distanciando do monarca.

‘Você ainda acredita em Deus não é Lucius? Acha que ele te salvará. Acha que te perdoará, mas você não é diferente de mim. Você é igual a mim. A Besta reside em você e te consome. Acha que existe salvação, que um dia irá encontrar alguém que te faça voltar a ser um maldito humano. Isso é uma lenda. UMA LENDA!’ – guinchava estridente o monarca.

‘Lucius, nosso tempo está acabando!’ – gritou um rapaz de cabelos arrepiados e olhos verdes do meio do salão principal.

O homem então se aproximou do chefe do pelotão e pediu pra que chamasse alguns homens para retirar a guilhotina.

‘Mas senhor, eles estão com medo!’ – dizia o chefe do pelotão visivelmente abalado.

‘Vá e arrume isso logo! Fale para que não temam. Esse ai já não pode mais com ninguém.’ – dizia o homem.

‘Cláudio’

‘Sim Lucius’ – respondeu o terceiro homem de olhos negros e pele branca – ‘Vá com o Kaius defender a cidade do caos. Os capangas de Carlos estão a solta e usando essas pessoas de comida’

‘Ah Lucius! E eu vou perder toda a graça?’ – disse o homem negro e corpulento ao lado dele. Sua careca brilhava às luzes das velas.

‘Você não tem jeito, não é Kaius? Você não tem jeito mesmo. Vá com ele, já usamos muito os poderes de Kevin, ele deve estar cansado e, que ele não nos ouça, mas força física só vocês podem resolver.’

‘Bah, tudo bem. Vamos?’ – disse Kaius a Cláudio – ‘Afinal a graça começa agora!’

‘Vamos’

Enquanto a guilhotina era removida e os raios cortavam pelo céus fazendo um barulho ensurdecedor, Lucius se aproximava do monarca.

‘Agora sou eu e você’ – e Lucius sacou sua espada.

Os guinchos do monarca cada vez mais fortes e sua aparência cada vez mais bestial fez com que todos os soldados corressem do salão principal, inclusive o chefe do pelotão.

Naquele momento só Lucius, o monarca e Kevin estavam naquele local.

‘Te vejo no inferno’ – disse Lucius ao levantar a espada e cortar a cabeça do monarca. A terra então tremeu.

Enquanto seu corpo se desfazia em pó e Lucius embainhava a sua espada, Kevin gritou do meio do salão.

‘CUIDADO!’

Quando Lucius se virou outro vampiro com uma espada na mão estava prestes a lhe ferir. A luta então começou. O salão virou um campo de batalha. Já não eram mais as espadas as armas principais. Os poderes vampíricos também estavam sendo usados. Lucius tinha sido gravemente ferido, perdendo muito sangue. Mas ao levantar sua espada, deu um movimento certeiro ao cortar a cabeça do adversário.

Lucius caiu ao chão sem mais forças, com espasmos e uma aparência parecida a do monarca que acabara de executar. Kevin correu em sua direção e Lucius em meio a guinchos de dor dizia:

‘Kevin, vá embora, minha missão se cumpriu...Só avise meu irmão...Avise...Ele tem que procurar um homem...Seu nome é Shakka...Índia...Vá...Deixe-me...’

Kevin estava numa tentativa desesperada de ajudar o amigo, dizia palavras desconexas, cortava o pulso pra dar sangue a Lucius.

‘Você ainda tem chances Kevin... Salve-se... Vá’

Nesse momento Lucius foi lentamente virando pó e se desfez ao lado de Kevin. Kevin chorava pesadas lágrimas de sangue e aterrorizado saiu do castelo, sem se importar com o caos.

A tempestade não cessava, mas a guerra tomava conta do condado. Kaius e Cláudio conseguiram exterminar alguns vampiros, outros fugiram e alguns ainda barbarizavam o condado.

Ao se aproximar de uma casa, Cláudio ouviu os gritos de desespero de um homem. Entrou rapidamente na casa. A mulher estava mortalmente ferida no chão e a criança era brutalmente assassinada em frente ao seu pai. O vampiro em meio a um sadismo sorria com o corpo inerte da criança nas mãos.

Cláudio usou sua espada, pronunciando umas palavras em latim e cortando a cabeça do vampiro antes que ele notasse sua presença. O pai ferido, caído ao chão, chorava sem consolo. Pensou em deixá-lo morrer, mas como um ímpeto se aproximou do homem quase morto.

Era alto, os cabelos curtos. Tinha os braços fortes de um trabalhador e provavelmente amava sua família, assim como Cláudio um dia amou a sua.

Quando recobrou os sentidos tinha transformado o homem, dando-lhe a chance da vingança. Atordoado não conseguiu desfazer o que tinha feito. Era sua primeira cria. Olhava pra ele como um lobo olhava para seu filhote.

Carregando o homem nos braços, Cláudio encontrou Kaius e Kevin no castelo.

‘Onde você estava? O que é isso?’ – perguntava Kaius insistentemente.

‘Depois Kaius’ – dizia Cláudio visivelmente atordoado.

‘Lucius está morto, morto!’ – Kevin falava em prantos – ‘O que vai acontecer agora?’

‘Não sei, não sei’ – respondia Kaius – ‘Fale algo homem, o que é isso?’

Cláudio sem palavras, recobrando os sentidos, olhava para sua cria sem ao certo entender.

‘Eu o transformei’

‘O quê?!? O que você fez?’ – dizia Kaius irritado

‘Como pôde fazer isso?’ – perguntou Kevin – ‘Nós prometemos!’

‘Eu sei, eu sei! Mas me perdi tá? Me perdi!’

‘E agora?’ – perguntou Kevin, querendo uma resposta pra todas as circunstâncias.

‘E agora vamos embora daqui. Já não existe mais nada que podemos fazer por aqui e os vampiros desse lugar ou morreram ou fugiram. Agora é um problema só de humanos.’ – disse Kaius, arrumando uma explicação.

Enquanto os três se retiravam, a cidade continuava a lutar. Outro monarca ia tomar conta dali. Sem poderes sobrenaturais.

Como combinado cada um tomou seu rumo pra não levantarem suspeitas e nunca mais se viram. Cada um com uma nova missão. Kaius voltou pra África, Kevin continuou na Inglaterra e Cláudio se embrenhou na floresta.

Alguns dias após, o homem ferido acordou sem mais dores, nem pesadelos. De súbito, seminu, deitado ao chão gelado de uma gruta. Gritou:

‘Onde estou? Quem é você?’ – perguntou aflito.

‘Eu sou Cláudio’ – respondeu o vampiro mais calmo agora.

‘Onde? Onde está? O que você fez com a minha família?’ – pulou o homem no pescoço de Cláudio, despertando a besta que ainda não conhecia.

Com apenas um toque, Cláudio serenou o homem lhe respondendo todas as suas perguntas e lhe contando o que acontecera a sua família.

‘E agora, o que eu sou?’

‘Agora, você é um vampiro Thiago. Um vampiro.’