22.12.08

Baratas

Guilherme passou a se alimentar de homens, geralmente um pouco embriagados. No começo era esquisito, mas depois acostumou. Matava dois coelhos com uma cajadada só, pois não podia beber.

Ser vampiro o tornou uma pessoa mais observadora. Nunca teve muita pressa em viver e agora tinha mais um motivo.

Thiago lhe explicava coisas sobre a guerra, sobre o conclave e as regras nojentas da Camarilla. Em algumas horas ele dizia que mais Caitiff que Guilherme não poderia existir. Ele era um Tremer, com habilidades de Gangrel e pensamento Brujah.

Guilherme não entendia nada, mais se sentia importante. Queria lutar, exterminar os vampiros nojentos. Queria a paz, a anarquia, queria a eternidade.

Após alguns meses com Thiago, percebeu que nunca tinha notado seu interior, já que sempre foi muito preocupado com o exterior. Preocupado em demonstrar, não em ser. Ele existia, pela primeira vez.

Um belo dia, sem perceber, Guilherme notou ter poderes sobre objetos. Podia movê-los. Chamou Thiago que olhou aquilo espantado.

-Deve ser algum poder dos Tremer. Aconselho a você ler alguma coisa sobre isso.

-Cara eu odeio ler, mas mexer as coisas com meu pensamento é muito legal!

-Com certeza, isso pode ser de muita valia pra você, se você ler e aprender como usar esse poder.

-Ah mais...

-Garoto, ouve o que eu tô te falando...

-Você sempre me chama de garoto né Thiago, por que hein? Você não é tão mais velho que eu... Quantos anos você tem?

-É falta de educação perguntar sobre a idade Guilherme, sua mãe não te ensinou isso?

-Mas, você tem o que? 30 anos?... E cara, tira essa jaqueta horrorosa de couro... Nós estamos na praia!

-Tenho 350 anos Guilherme. Não sinto calor, e só estou aqui, porque aqui é onde me escondo de tudo. Você deveria começar a fazer o mesmo. E faça suas malas, que nós vamos pra São Paulo.

-Como assim? Eu não posso deixar a loja sozinha...

-Coloca um de seus amigos pra tomar conta, você vai comigo, e não me peça explicações.

-O que vai ter lá Thiago?

-Primeiramente, os livros que eu vou te fazer ler. Segundo, uma maneira de você entender de uma vez por todas que a eternidade não é um passeio. Terceiro, vou te apresentar pra sociedade como se você fosse minha cria. E quatro, assim eu te vigio mais de perto, pra você não fazer besteiras.

E lá foi com Thiago pra São Paulo. Ele tinha um apartamento lá, pequeno, bagunçado, desorganizado. Mas tinha em um dos quartos, uma biblioteca invejável.

-Nossa você gosta mesmo de ler né?

-Tive que fazer alguma coisa pra matar meu tempo. Afinal, físicos gostam de estudar. E você, vai fazer o mesmo, pra aprender a mexer com esses seus poderes.

De repente um medo enorme crescia em Guilherme.

-Cara... Argh! Tira isso daqui!

-O que Guilherme?

-Isso, isso aí... Esse bichinho nojento!

-Ah, é só uma baratinha... Você não tem medo de baratinhas, não é Guilherme?

-É, é... Eu? Não cara...

Não tinha percebido, mas aquele receio com baratas, tinha se tornado algo diferente.

-Isso acontece. Algumas fobias se exacerbam.

-Mas, eu não tenho medo, tô falando!

-É, olhe no espelho...

Nunca tinha se visto transformado. Seus olhos estavam claros como uma gota de água e suas presas eram grandes. Teve medo de si. Logo após o susto, tudo tinha voltado ao normal.

Guilherme se via como um cara atraente, com os cabelos castanhos curtos e lisos e olhos cor de mel, a pele continuava curtida do sol, e os anos de malhação estampados no corpo. Enquanto se olhava no espelho, via que nada tinha mudado, mas não se reconhecia. Era visível que algo que nunca quis dar muita importância, crescia.

Ele estava diferente, e toda aquela história de guerra e caçada, estava latejando em sua cabeça. Continuava a ter os mesmos princípios, mas só fazia crescer o seu interesse pelo desconhecido. Como pular de um bungee jump.

Thiago saiu, o deixando sozinho naquela noite. Disse que teria que fazer algumas coisas pra que a história de ter sido abraçado por ele colasse. Guilherme começou a ler os livros, mas se sentia entediado, com fome. Desobedecendo, saiu.

São Paulo sempre teve muito movimento noturno, todos os dias. Aproveitou pra ir num desses lugares, dançar. E quando estava voltando pra casa, cruzou com uma garota linda, de olhos azuis e cabelos pretos em um beco.

Ela se assustou, olhou fixamente para os seus olhos e saiu correndo, sem que pudesse perceber.

Quando chegou em casa, Thiago estava louco.

-Onde você estava garoto? Alguém te viu? Onde você foi?

-Calma velho, só fui dançar.

-Entre as pessoas? Você estava entre as pessoas? Eu já não te disse...

-Thiago, você já ficou amarradão por alguém?

-Amarradão? – ele me olhou descrente nos olhos

-É amarradão, de quatro, apaixonado...

-Eu sou velho, mas não sou estúpido. Sei o que é amarradão.

-É, porque você foi lá das antigas né? Pô, 350 anos, é tempo pra cacete cara. Mas você foi humano né? E naquela época, você não tinha ninguém? Mulher, filhos? Me conta vai, você tinha esse charme misterioso aí? Pegou muita mulher né Thiago? – Sorria Guilherme.

-Vai dormir Guilherme, já está amanhecendo – Thiago falou com a voz mais sombria que já ouvira. Sua expressão era de indiferença.

Para não causar mais problemas a Thiago, se recolheu, como um filho quando o pai manda. Thiago era na verdade o pai que Guilherme nunca teve. E quando se recolheu no quarto, lembrava dos olhos azuis.

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