19.12.08

Seu nome: perdição

Não se tornou um pessimista. Sempre pensava no lado bom das coisas. Sempre analisou as situações do lado do aprendizado, da lição. Mas o dia em que se viu transformado, não entendia o porquê.

Era domingo, e seu corpo estava todo dolorido. Ele jogado atrás do balcão do bar destruído, com vidros estilhaçados por todos os lados, dava a entender que por ali passara um trator.

Não tinha muitas recordações do incidente, afinal, a única coisa que lembrava é que uma garota de olhos claros e pele como cera conversava com ele por horas e não sabia por que não conseguia retirar seus olhos dos olhos dela.

Sua conversa era envolvente e seus lábios pareciam se mover em câmera lenta. Apesar disso tudo, não a viu sorrir, nem por um segundo. Tinha uma expressão triste, assim como outros dois amigos dela.

Enquanto terminava de tomar sua cerveja, tentava a convencer de tirar aquele casaco preto. Estavam numa praia linda, de frente pro mar, meio de fevereiro. Era um calor infernal. Ubatuba nessa época do ano era apinhada por causa das férias, do carnaval, da estação.

Ela insistia em mantê-lo e ia o mantendo em seu lado, a cada palavra mais ríspida que dizia. Ele achava que tinha a ver com aquela mania galanteadora que tinha de não deixar nenhuma garota desamparada sozinha.

Estupidez. Assim que tomou seu último gole na cerveja, mais dois elementos estranhos entraram no bar, com as mesmas roupas da garota, gritaram alguma coisa em direção a um grupo de amigos que se encontravam no local, e quando menos esperava, a primeira janela se partiu.

A garota se aproximou rapidamente dele, e como num estalo, ela grudou em seu pescoço. Já não se recordava muito mais sobre as coisas. Tudo ficou como em sonhos, flashes esquecidos em sua memória.

Quando acordou, tinha dores por todo o corpo, como se todos os seus órgãos fossem explodir. Enquanto gritava e se retorcia, uma voz grave falava:

- É a morte, não dá pra fugir dela.

Sem que notasse, um homem aparentado ser jovem estava em sua frente e como num instinto quase selvagem, pulou em direção ao seu pulso, que escorria um sangue escuro, pulsante.

-Pra você não sentir tanta dor. Viu quem te mordeu? – enquanto ele segurava sua cabeça e o corte se fechava rapidamente de seu pulso.

-Não. O que está acontecendo comigo? – perguntou assustado achando uma aberração por estar bebendo sangue como um animal irracional.

-Você foi transformado. Agora é um vampiro. Só não consegui ver com toda a confusão quem te mordeu. Se foi a garota ou se foi um dos freaks que estavam com ela. Eles não te transformaram direito. Tava quase morrendo quando cheguei aqui.

-Nossa você é bem direto não é mesmo, ainda não estou entendendo nada do que aconteceu comigo e você joga as coisas em minha cara, assim, sem nem me explicar.

-Desculpe, meu nome é Thiago, sou um Gangrel, um clã de vampiro, que depois te explico. Mas você, não sei quem te mordeu, mas sei que alguém tem que te explicar as coisas. Eu sou prático, sempre fui. Por isso fiz Física quando estava me formando.

-Nossa, você não parece ter cara de físico. Os físicos têm...

-Cara de nerd. Não, eu não tenho. E você com esse físico de surfista pegador, também não tem cara de quem um Tremer tentaria abraçar. Talvez a garota tenha se apaixonado mesmo.

-Abraçar?

-É, transformar em vampiro.

Enquanto ele falava, e olhava minuciosamente pelo local, ele ia lhe explicando coisas que nunca imaginou existir.

-Mas eu sou um cara tranqüilo, tenho lá minha loja de surfe, gosto de surfar, moro aqui, porque raios alguém ia fazer isso comigo?

-Vai ver que a garotinha tinha intenção de usar você como escravo sexual. Ou pelos seus belos olhos cor de mel.

-Cara, menos.

Essa ironia pairava em todas as palavras de Thiago. Ele era um cara alto, de aparência normal, que ninguém pensaria ser um vampiro.

-Pensa pelo lado positivo – ele lhe dizia - você vai ficar assim, bonito, musculoso, sem rugas, pelo resto da eternidade.

-Nada em mim vai mudar?

-Não. Mas também, nunca mais vai comer, e nunca mais vai beber, e nunca mais vai faturar daquela forma que você está acostumado a faturar.

-Como assim? Eu nunca mais vou... Vou... E como você sabe que eu estou acostumado a faturar?

-Porque é típico de caras assim, como você. Mas respondendo sua pergunta, não. Nunca mais você vai ter uma relação com nenhuma mulher. Pode esquecer - Ele tocava o chão e cheirava a mão, tentando descobrir algo diferente.

-E qual é a vantagem de viver pela eternidade?

-Por esse lado, nenhuma. Aliás, não há nenhuma vantagem em ser imortal.

-É tô vendo que não mesmo. Se eu não vou poder sair com todas as mulheres do mundo...

-Sair você pode, mas nada vai funcionar.

-Nada?

-Talvez seu charme...

-Que droga! Que maldita! O quê que aquela menina tinha que me morder...

-Na verdade, eu acho que foi um erro... Tremer não iria abraçar alguém assim... Vai ver que é por isso que eles te largaram aqui... Talvez pensaram que você estava morto. E a outra garota, aquela que estava com o grupo de amigos? Você já a viu por aqui?

-Cara, eu tô aqui, sofrendo por estar morto, literalmente, e você vem me perguntar sobre garota?

-Escute aqui rapaz! - pela primeira vez, ele olhou em seus olhos – o que aconteceu aqui foi muito mais do que uma simples transformação de sua vidinha medíocre em um imortal. Nós estamos em guerra!

-Guerra? Cara, você tá ficando maluco, olha só...

-Garoto, o negócio é sério. Essa garota que estava aqui, ela tem um cheiro diferente. Ela não pertence a um clã comum. E esses vampiros, incluindo a ninfeta que te mordeu, estavam atrás dela, por alguma razão.

-Que viagem meu...

-Agora, vamos sair daqui, preciso te explicar algumas coisas.

Enquanto saíam do local, Thiago lhe explicava coisas sobre os vampiros, suas castas, suas leis e mais um monte de coisas que sua cabeça confusa no momento não conseguia assimilar.

-Você é um caitiff, um paria, um excluído. Assim como eu.

-Como assim?

-Pra sociedade vampírica, você é uma aberração. E se os Tremer desconfiarem que aquela garota te semi transformou, pode dar adeus a sua eternidade. Sua morte não vai ser das melhores.

-E agora, o que eu faço?

-Vem comigo, vou te ensinar ser vampiro.

-Mas você também é excluído?

-Não como você. Eu me excluo por vontade própria. Excluo-me porque sou um caçador, sou um homem da natureza, da justiça. Porque estou do lado ‘bom’ da guerra.

-Mas existem lados bons na guerra?

-Não. Mas existem lados que são mais coerentes. Aqueles que querem manter a tranqüilidade, que querem viver suas vidas e trilhar seus caminhos, sem mortes insanas, sem shows, sem dor.

-Você é tipo, um Robin Hood dos vampiros?

-Não, sou prático. E vou te ensinar a se defender e sobreviver. Qual seu nome?

-Guilherme.

Na verdade, por um momento, ele achava que seu nome era perdição. Thiago lhe ensinou umas habilidades que ele chamava de disciplinas. Deu-lhe mais rapidez e mais potência na hora de se defender. Não que quisesse aprender a lutar, mas Thiago dizia que tinha que saber se defender.

Suas manobras no surf tinham ficado melhores e agora, não tinha mais medo de arriscar, não quebraria seu pescoço. E só morreria se sua cabeça fosse cortada.

Já não podia mais tomar o sol que tanto amava, já que isso também lhe mataria, e a loja que possuía tinha se tornado um point noturno de encontro de seus amigos. Thiago lhe dizia que não poderia dizer a ninguém sobre ser vampiro, e por anos passou assim.

-E na hora de comer?

-Bom você pode se alimentar das pessoas, sem matá-las é óbvio, dos animais, de ratos...

-Ratos?

-É, até dos bancos de sangue, se você tiver contatos dentro de algum hospital.

-Cara, que maluco...

-E se você quiser se embebedar tem que tomar sangue de alguns embriagados por aí.

-Pô, já não vou pegar mulher, e agora, não vou mais beber também? Não quero mais ser vampiro cara, não quero mais!

-Não adianta, se você quiser não morrer de vez, essa é a única maneira.

-Pô, também não bebo sangue de mulher. Não bebo... Só de homem!

-Não se esqueça que você vai ter que lamber e dar o Beijo.

-Lamber? Beijo? Que história é essa!

-É assim que temos que nos alimentar de humanos. Primeiro lambemos, depois mordemos seus pescoços pra poder tirar o sangue, e depois, lambemos de novo, pra não deixar nenhuma marca.

-Mais aí, eles viram vampiros também?

-Não, só se eles tomarem do seu sangue. E não seja nem louco de fazer isso, entendeu? Os motivos têm que ser muito fortes pra isso. Veja você mesmo.

-Que coisa de boiola... E agora, o que eu faço? Como é que você faz?

-Animais...

-Argh!!! Que nojo!!!

-Bom cada um toma a decisão que quiser.

-E os espelhos? Posso me ver nos espelhos?

-Pode, só os Lasombra não podem.

-Lasombra?

-É, com o tempo você aprende...

-E as estacas?

-Não te matam, te paralisam. Nem a água benta, nem o alho, nem as cruzes. Vê? - Thiago tinha uma cruz de malta pendurada em seu pescoço.

-E eu tenho que dormir num caixão?

-Se você gostar de ser mórbido.

-E o Drácula?!?

-Existe... E, nunca queira encontrá-lo.

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