Thiago acordou assustado naquela noite, suava sangue. Pela primeira vez havia sonhado tão vividamente com o que acontecera em Windsor.
Um pouco antes de encontrar Guilherme naquele bar, sonhou com sua esposa e seu filho lhe dizendo que sua procura estava quase no fim.
Há anos estava sozinho e hoje, como nunca, sentia falta de conversar com seu mentor. Não sabia mais onde procurar, já tinha rodado praticamente o mundo todo atrás dessa cura. Cláudio lhe diria pra ter mais paciência e perseverança.
Thiago sabia que tinha a eternidade pra procurar, mas já estava nessa procura há três séculos, onde iria encontrar? Estava cansando.
E agora essa. Essa bendita guerra. Os mais novos tinham essa idéia de transformar o mundo em vampiros, os antitribu queriam tomar o poder e reinar como os antigos monarcas e a corrupção correndo solta no maldito mundo capitalista por conta dos vampiros corruptos.
E os humanos tinham se transformado meramente em comida e massa de manipulação. Poderia jurar que sua cabeça doía, mas infelizmente, não tinha mais dor.
Enquanto escovava seus dentes, olhava para o espelho e pensava em ser convincente na hora de apresentar Guilherme. Refazia o discurso em sua cabeça a fim de não esquecer ou deixar escapar em nenhum detalhe.
No fim das contas se afeiçoou ao garoto, ele não tinha culpa de nada. Só estava no lugar errado e na hora errada. Ainda não havia descoberto porque todas aquelas mortes tinham acontecido justo naquele local. E o cheiro daquele sangue não saia de sua cabeça.
Quando chegou a sala, Guilherme estava sentado no sofá com um livro em suas mãos.
- Estudando? – perguntou Thiago.
- Iradas essas magias com fogo hein Thiago? – Guilherme respondia sem tirar os olhos do livro.
- São, mas cuidado com elas. Você já sabe...
-Tá Thiago, já sei, eu só posso desenvolvê-las na sua presença...
- E, por favor, hoje simplesmente não abra a sua boca. Não quero ouvir um pio durante o conclave.
- CONCLAVE? Que conclave? Que porra é essa Thiago?
- Não quero que você abra sua boca, exatamente por causa disso. Eu passei meses te explicando regras, nomes, clãs e tudo mais e você, nada! Distração total, não é mesmo?
- Peraí Thiago, você nunca falou de conclave. Isso não!
- Falei. Falei mas vou repetir Guilherme – falou Thiago com uma expressão entediada – conclave é uma reunião pra apresentar novos membros à sociedade vampírica.
- Nossa, to me sentido até importante agora! – Fechou o livro Guilherme e levantando de ímpeto.
- Não se sinta. Pode ter certeza que você não é o único que será apresentado hoje.
- Ah, mas eu sou o mais bonito. Há!
Thiago olhou descrente para Guilherme e continuou:
- Bonito. E de boca fechada. Vá se trocar, vista-se pelo menos de calça hoje! Ponha um sapato...
- Ah não Thiago! Fala sério! Eu não uso sapato cara, não uso! Eu vou de chinelo e ponto!
- Hoje você vai usar Guilherme e sem reclamações. Vai te empresto uma das minhas roupas. E um sapato. Vamos, não fica me olhando com essa cara, estamos nos atrasando!
Quando Guilherme se aproximou do guarda roupa de Thiago se decepcionou.
- Puta que pariu velho! Só tem calça aqui e essas camisetas pretas e brancas. Todas com manga! Não Thiago, não vou. Vou assim, de regata, bermuda e chinelo!
- Ah, você vai sim. Já separei essa roupa pra você e não esqueça, se os Tremer não cortarem sua cabeça, eu corto! Portanto, vista-se!
Guilherme em meio a resmungos vestiu as roupas de Thiago.
- Tô me sentindo ridículo, velho. De bota. Bota!
- Isso é um coturno Guilherme e você está bem assim. Discreto.
- Essa calça ta me apertando, me pegando. Essa camiseta com manga, num tá bom. Nada tá bom.
- Tá ótimo e pare logo de reclamar. E lembre-se, nenhum pio!
- Tá, tá Thiago, já sei... – bufava Guilherme em insatisfação as vestes.
- Tem a jaqueta, não vai colocar?
- Você tá me zoando né Thiago, só pode ser. Chega, já basta essa calça e a bota, já chega...
Guilherme saiu pela porta batendo o pé enquanto Thiago dava um sorriso olhando o rapaz chamar o elevador. Enquanto desciam Thiago ainda brincava ao ver Guilherme vestido descentemente pela primeira vez.
- Tá gatinho hein?
- Que que é hein Thiago? Vai para de me zoar velho, eu tô me sentido ridículo com essa roupa.
- Que nada, ta o maior gatinho...
- Ih, olha o cara! Quase nunca fala e agora tá com essas viadagens pra cima de mim?
Thiago deu uma risada gostosa. Enquanto desciam pensava como estaria Claudio se pudesse vê-lo. Aos poucos foi criando o clima de tensão que havia em sua mente. Ao entrarem no carro, a primeira pergunta de Guilherme foi direta.
- O que me espera nesse tal de conclave?
- Não sei. Não sei nem o que me espera pra falar a verdade – falava Thiago com ar de desânimo.
- E se eles não me aceitarem Thiago?
- Você já está feito, não tem como remediar. E a Camarilla não seria burra de executar um vampiro assim do nada.
- E o que você preparou?
- Na hora você verá - Disse Thiago não muito convencido de sua desculpa – só tenho medo de que aquela sua ‘amiga’ esteja lá...
- Que amiga?
- A que te semi transformou...
Eles desceram do carro na porta de uma mansão abandonada. Qualquer um que passasse por ali poderia jurar que há décadas não entrava ninguém na casa. A rua deserta e sem iluminação ajudava esse cenário.
- Se eu tivesse estômago estaria com enjôo agora velho – disse Guilherme inerte olhando pra mansão.
- Eu também Guilherme, eu também... Vamos entrar?
Quando os dois vampiros entraram pareciam ter passado por um portal. As paredes brancas como neve e os lustres, que desciam do teto, de cristal davam um ar de limpeza impecável. Os móveis da sala de estar lembravam a França e as esculturas renascentistas davam um toque de glamour no espaço.
- Velho, que sinistro... lá fora é muito diferente!
- A casa não pode chamar atenção, Guilherme, porque aqui tem reuniões constantes dos membros ‘importantes’ da Camarilla. Não para os humanos, esses achariam que aqui moraria mais um milionário excêntrico, mas para outras facções de vampiros.
- Quem, por exemplo?
- Os antitribu, os independentes, os inimigos dos membros mais velhos.
- Nossa, mas por quê?
- Quando sair daqui te digo as paredes por aqui tem ouvidos afiados.
Logo que adentraram a sala, alguém de aspecto pálido e pele macilenta veio os receber. Vestia-se como um mordomo de filmes:
- Boa noite Sr. Thiago – disse o homem
- Boa noite, Harold.
- O Sr. deseja algo?
- Não Harold, nós já iremos à sala de reuniões.
- Sim Sr.
- Thiago!
Uma voz doce veio da porta lateral da sala, o vestido longo e vermelho contrastava com a pele branca e macia. O cabelo preso à nuca com mechas avermelhadas destacava o rosto fino e angelical.
- Eva, tudo bem?
A mulher esticou as mãos em direção aos lábios de Thiago e seus olhos negros acompanharam os movimentos do Gangrel como se tudo estivesse em câmera lenta. Thiago encostou os lábios na mão de Eva, visivelmente constrangido.
- Você e essa sua mania de desaparecer não é querido?
- Você sabe o quanto preso minha privacidade.
- Assim você priva nós mulheres de vermos essa beleza tão... Exótica – Eva dava um sorriso enquanto o analisava – e quem é o garoto?
- Este é Guilherme.
Guilherme olhava fixamente a mulher com o rosto mais abobalhado que Thiago já tinha visto. Eva fez o mesmo movimento a Guilherme.
- Ah, o neófito. Estonteante. Encantada, meu amor...
Guilherme não conseguia emitir um som e beijou a mão de Eva tão intensamente que fez Thiago pigarrear, querendo conter o riso.
- Então quase todos a postos já, meu querido – disse Eva, com um sorriso discreto nos lábios e os olhos devorando a alma de Thiago.
- Nós estamos indo Eva. Te encontro na sala.
- Sim querido, só vou retocar minha maquiagem. - E Eva saiu sem fazer um barulho e movendo como se flutuasse pelo chão.
- Vamos Guilherme?
Guilherme estava virado olhando as costas nuas de Eva que se afastava lentamente.
- Guilherme! – Thiago chacoalhava o braço de Guilherme na tentativa de tirá-lo do transe – vamos embora!
Como uma ordem, Guilherme virou-se para Thiago o acompanhando a sala de reuniões.
- Cara, o que aconteceu? – Guilherme se fosse humano estaria com uma dor de cabeça lancinante.
- Aconteceu que você deve se manter longe da Eva. Ela é perigosa e definitivamente se enjoa facilmente das pessoas.
- Mas ela é linda!
- É. Mas tome cuidado, ela é perigosa...
Em contraste com aquele ambiente claro, a sala de reunião era mais escura, mas não menos ostensiva. Uma mesa de madeira maciça estava no canto da sala em cima de um palanque e as cadeiras acompanhavam o estilo renascentista de toda a casa.
A sala se encontrava com cadeiras espalhadas em forma de círculo por todos os lados e estava praticamente lotada. Thiago olhava ao redor procurando as cadeiras mais afastadas e mais escondidas. Guilherme ainda parecia meio em transe e tudo o que fazia era seguir Thiago.
Thiago avistou duas cadeiras no canto esquerdo da sala, num local bem escuro e sossegado. Ao lado estava sentada uma mulher, com botas de couro cano alto, calças pretas e um decote generoso. Os cabelos ruivos e compridos contrastavam com a pele branca e as sardas nos ombros. Tinha uma expressão de desprezo e os pés em cima de uma cadeira vazia já dizia isso.
- Todos presentes? Podemos começar? - um homem com um terno de veludo roxo falava alto pelo salão. Sua gravata era vermelho sangue e tinha pesadas abotoadoras douradas na manga de seu paletó.
- Sim Marcos – disse Eva sentada ao seu lado esquerdo.
- Cara, e eu que achei que você se vestia estranho – sussurrou Guilherme aos ouvidos de Thiago, que o olhou com cara de desconcerto. Ao longe Eva sorria disfarçadamente.
- Estamos reunidos hoje, para a apresentação dos neófitos a Camarilla. Ao meu lado esquerdo tenho a minha tão adorada Srta. Eva, ao meu lado direito o Sr. Pedro e ao lado dele meu irmão Sr. Maurício.
Maurício estava vestido exatamente igual a Marcos, diferenciando-se somente a cor do terno que era azul. O cabelo lotado de gel dos dois fazia Guilherme querer rir. Só controlava-se porque sabia que Tiago iria estrilar se desse algum fora. Para evitar começou a reparar nos outros membros da mesa.
Eva já tinha conhecido e sua experiência do transe não tinha sido muito boa. Decidiu não olhar para ela novamente. Pedro era um cara estranho. Tinha os cabelos escorridos na face, uma aparência sisuda que assustava especialmente pelos seus pequenos olhos negros e seu nariz em forma de batata que lembrava o Seu João, bedel de sua época de ginásio.
Ao redor da sala, tinham vampiros de todas as maneiras. Se assustou ao perceber que não eram tão poucos assim. E alguns clãs tinham mais de um vampiro transformado. Sozinhos estavam a garota de cabelos ruivos e um homem, com um casaco preto, roto e com uma aparência totalmente desagradável.
Enquanto Marcos falava, a ruiva soltou um longo suspiro e reclamou em voz quase despercebida ‘que saco!’. Marcos parou por um instante e olhou para a garota, dizendo em uma voz calma, não alterando seu tom:
- Algum problema Srta. Karen?
- Só disse que saco. Você sabe que tenho coisas mais importantes para fazer do que ficar aqui sentada, te ouvindo falar por horas sobre as regras da Camarilla, pra apresentar mais um novo rebanho.
- Insolente como seu mestre. Como se você já não tivesse passado por isso... – falou Marcos com o mesmo tom e um sorriso sarcástico nos lábios quando foi interrompido por Karen.
- Passei, mas já participei de tantas reuniões, que sei seu discurso de cor. E insolente é a sua... - já levantava a voz Karen no mesmo impulso de levantar-se, quando Thiago tocou em seu braço. Karen que olhou em fúria pra esse ato, logo se acalmou estranhamente.
- E por falar em mestre, onde ele está? Era ele que deveria estar aqui hoje...
- Não sei de Kaius há pelo menos uns dez anos. Você sabe que me viro muito bem sozinha. Só não sei por que eu tenho que estar aqui sempre representando ele.
Thiago se espantou ao ouvir o nome de Kaius. Relembrou de seu sonho. Não poderia ser a mesma pessoa. Mas esse nome era tão incomum que não poderia mesmo ser outro vampiro.
- Porque você é a única Brujah membro da Camarilla que temos notícia – disse Marcos com uma fúria contida em sua garganta – E enquanto você estiver por perto, irá comparecer as reuniões. Podemos continuar?
- Sim - disse Eva visívelmente irritada.
Marcos continuou a solenidade, começando a apresentar os neófitos. Guilherme olhou desconcertado para Thiago querendo lhe perguntar loucamente o que era aquilo, mas Thiago só fez um movimento afirmativo com a cabeça. Enquanto isso olhava Karen como se fosse a chave para suas dúvidas. Só precisaria arrumar uma maneira de abordá-la sem irritá-la.
Eva olhava da mesa para Karen como se quisesse matá-la. E se pudesse já teria feito. Odiava os Brujah assim como odiava a idéia de perder a sua própria beleza. E sabia que se encostasse um dedo nos cabelos de Karen, Kaius cortava sua cabeça em dois segundos, sem dó e nem piedade. E se tinha algo que prezava era sua eternidade vivida em futilidades.
Sem perceber nada, Thiago estava tão disperso em seus pensamentos que sentiu o cutucão de Guilherme em suas costelas fazendo com que olhasse para a mesa.
- Sr. Thiago é a sua vez de nos apresentar seu neófito.
Thiago levantou e sentiu Eva o medindo por inteiro. Guilherme levantou logo em seguida e se fosse humano, seu estômago estaria revirando em cólicas no momento. Tiago, seguro de si, disse.
- Esse é Guilherme. Encontrei-o perto de meu refúgio. O transformei porque senti que ele poderia ser útil para a Camarilla como informante, já que Guilherme é jornalista. – Guilherme o olhava desconcertado, não tinha feito jornalismo e como assim informante? - E porque já me sinto velho para fazer algumas missões que me pedem – disse Tiago sorrindo um sorriso nervoso.
- Acho você sempre em forma – disse Eva o olhando languidamente – Mas o menino pode ser mesmo de muita valia, não acha Marcos?
- É, é verdade. E no que você é especialista Sr. Guilherme?
Guilherme olhou desesperado para Thiago. Não esperava ter que falar e não sabia mesmo o que falar. Quando fez menção de dizer algo, logo Tiago o interrompeu.
- Guilherme relata notícias locais próximas ao meu refúgio, todas relacionadas a desastres. Não é Guilherme?
Guilherme só fez um afirmativo com a cabeça olhando novamente para Marcos. Enquanto isso Pedro olhava para Guilherme numa desconfiança estranha, como se pudesse sentir o cheiro de um esquema. Já não gostava de Thiago, pois desconfiava de sua lealdade com a Camarilla e ter um neófito deste não ia ser muito agradável para seus planos.
- Bom... Muito bom. Isso pode nos ajudar. Não acha Sr. Pedro? Sr. Mauricio?
- O que você mandar Marcos... – disse Pedro olhando para Guilherme.
- Concordo com Pedro, meu irmão. – disse Maurício olhando para suas unhas. O que fez durante toda a reunião.
- Bom, então estamos todos dispensados. Marcaremos a próxima reunião em breve, tenho alguns assuntos para tratar com vocês sobre nossas atividades...
Logo que começou o burburinho das pessoas falando, Tiago viu Karen se afastar rapidamente de todos, rumo à porta. Pegou no braço de Guilherme o puxando para evitar novos contatos e foi em direção a Karen. Quando conseguiu alcançá-la tocou em seu ombro firmemente, fazendo Karen olhar para trás.
- Karen, certo?
- Sim...
- Eu sou Thiago e gostaria...
- Eu sei, mas estou com pressa e não estou a fim de conversar com paus mandados da Eva. Aliás, diz pra ela mandar uns caras mais gostosos, assim como você pra me seguir, já tô cansada... – dizia Karen quando foi interrompida por Thiago, que estava visivelmente irritado.
- Você está enganada, não sou nada da Eva e nem quero ser. Preciso falar com você uns minutos só, não vai tomar quase nada do seu tempo, mas não aqui dentro. Podemos sair? Vem Guilherme... – disse Thiago olhando firme pra Karen.
- Tá tudo bem, você tem cinco minutos.
- É só o que preciso...
19.12.10
12.6.09
O dia em que a terra tremeu
Era uma quarta o dia em que o céu escureceu no condado de Windsor. Pesadas gotas caíam do céu em uma tempestade magistral.
Todos sabiam que naquela noite o monarca seria executado, por ter instituído a tirania sobre seus súditos. Aqueles que possuíam fé escondiam-se em casa. O apocalipse se aproximava.
Nunca o condado tinha se transformado daquela maneira, tomado de medo. Todos temiam o monarca e há alguns anos, seus hábitos eram comentados por toda a cidade.
Alguns diziam que gostava de comer carne crua. Outros que as orgias eram constantes. Outros que sua alteza poderia ser a encarnação da própria besta.
Pelos cômodos do castelo podiam se ouvir os guinchos. Os serviçais se escondiam com medo da ira divina. O exército estava por toda a cidade e a tempestade castigava as plantações aos arredores sem nenhuma piedade.
De longe, morcegos voavam pela tempestade. A furtiva, quatro homens de capas pretas se infiltravam dentro do castelo com espadas que luziam sob as capas. Entre a solenidade, o capitão do pelotão estava a postos.
Preso a pesadas argolas de ferro, o monarca tinha a aparência mais aterrorizante. Depois de ter sido gravemente ferido, já não tinha mais forças pra se mover. Careca, com suas longas unhas, trajes rasgados, olhos brilhantes e presas, ele tinha a expressão de um medo que os humanos nunca tinham visto.
Os quatro homens se aproximavam do salão principal.
‘Ah Carlos, finalmente a sua hora chegou’ – disse o mais alto deles. Seus cabelos lisos batiam pelas orelhas e ele tinha uma expressão de vingança atingida.
O monarca só conseguia emitir guinchos, os cortes por todo o corpo já não se fechavam mais. Suas forças se esvaiam a cada segundo. Algo incontrolável gritava dentro de seu peito, e parecia estar em um transe que não terminaria mais.
‘Foram anos, mas hoje, essa sua brincadeirinha com os humanos termina. Achou que ia ficar impune, meu querido?’ – ia dizendo o homem. Seu rosto próximo ao do monarca, numa expressão de extremo prazer – ‘Pensou mesmo?’
Por um instante o monarca atingiu uma expressão de raiva, como se ainda pudesse se salvar do seu destino.
‘Ah Lucius, você sempre tão defensor desses humanos imundos’ - disse o monarca em meio a guinchos de dor e sua voz num tom metálico.
‘Esse é o som do fim da sua eternidade Carlos, esse é o som que você ouvirá ao chegar no inferno’ – disse então o homem, com um sorriso nos lábios.
‘Nós estamos acima do bem e do mal e escreva, um dia, essa sua manutenção da paz irá acabar, entraremos em guerra, você verá’ – guinchava cada vez mais alto o monarca. Seu corpo era atrofiado como ao de um esqueleto, e quem o conhecia diria que tinha envelhecido uns cem anos.
‘Você não pode se conter não é Carlos. Não. Gostou do poder, de suas festas, de suas orgias. De matar gente inocente só pra satisfazer sua fome. Hoje é a besta que te consome e é ela que fará com que você vá para o inferno!’ – disse o homem se distanciando do monarca.
‘Você ainda acredita em Deus não é Lucius? Acha que ele te salvará. Acha que te perdoará, mas você não é diferente de mim. Você é igual a mim. A Besta reside em você e te consome. Acha que existe salvação, que um dia irá encontrar alguém que te faça voltar a ser um maldito humano. Isso é uma lenda. UMA LENDA!’ – guinchava estridente o monarca.
‘Lucius, nosso tempo está acabando!’ – gritou um rapaz de cabelos arrepiados e olhos verdes do meio do salão principal.
O homem então se aproximou do chefe do pelotão e pediu pra que chamasse alguns homens para retirar a guilhotina.
‘Mas senhor, eles estão com medo!’ – dizia o chefe do pelotão visivelmente abalado.
‘Vá e arrume isso logo! Fale para que não temam. Esse ai já não pode mais com ninguém.’ – dizia o homem.
‘Cláudio’
‘Sim Lucius’ – respondeu o terceiro homem de olhos negros e pele branca – ‘Vá com o Kaius defender a cidade do caos. Os capangas de Carlos estão a solta e usando essas pessoas de comida’
‘Ah Lucius! E eu vou perder toda a graça?’ – disse o homem negro e corpulento ao lado dele. Sua careca brilhava às luzes das velas.
‘Você não tem jeito, não é Kaius? Você não tem jeito mesmo. Vá com ele, já usamos muito os poderes de Kevin, ele deve estar cansado e, que ele não nos ouça, mas força física só vocês podem resolver.’
‘Bah, tudo bem. Vamos?’ – disse Kaius a Cláudio – ‘Afinal a graça começa agora!’
‘Vamos’
Enquanto a guilhotina era removida e os raios cortavam pelo céus fazendo um barulho ensurdecedor, Lucius se aproximava do monarca.
‘Agora sou eu e você’ – e Lucius sacou sua espada.
Os guinchos do monarca cada vez mais fortes e sua aparência cada vez mais bestial fez com que todos os soldados corressem do salão principal, inclusive o chefe do pelotão.
Naquele momento só Lucius, o monarca e Kevin estavam naquele local.
‘Te vejo no inferno’ – disse Lucius ao levantar a espada e cortar a cabeça do monarca. A terra então tremeu.
Enquanto seu corpo se desfazia em pó e Lucius embainhava a sua espada, Kevin gritou do meio do salão.
‘CUIDADO!’
Quando Lucius se virou outro vampiro com uma espada na mão estava prestes a lhe ferir. A luta então começou. O salão virou um campo de batalha. Já não eram mais as espadas as armas principais. Os poderes vampíricos também estavam sendo usados. Lucius tinha sido gravemente ferido, perdendo muito sangue. Mas ao levantar sua espada, deu um movimento certeiro ao cortar a cabeça do adversário.
Lucius caiu ao chão sem mais forças, com espasmos e uma aparência parecida a do monarca que acabara de executar. Kevin correu em sua direção e Lucius em meio a guinchos de dor dizia:
‘Kevin, vá embora, minha missão se cumpriu...Só avise meu irmão...Avise...Ele tem que procurar um homem...Seu nome é Shakka...Índia...Vá...Deixe-me...’
Kevin estava numa tentativa desesperada de ajudar o amigo, dizia palavras desconexas, cortava o pulso pra dar sangue a Lucius.
‘Você ainda tem chances Kevin... Salve-se... Vá’
Nesse momento Lucius foi lentamente virando pó e se desfez ao lado de Kevin. Kevin chorava pesadas lágrimas de sangue e aterrorizado saiu do castelo, sem se importar com o caos.
A tempestade não cessava, mas a guerra tomava conta do condado. Kaius e Cláudio conseguiram exterminar alguns vampiros, outros fugiram e alguns ainda barbarizavam o condado.
Ao se aproximar de uma casa, Cláudio ouviu os gritos de desespero de um homem. Entrou rapidamente na casa. A mulher estava mortalmente ferida no chão e a criança era brutalmente assassinada em frente ao seu pai. O vampiro em meio a um sadismo sorria com o corpo inerte da criança nas mãos.
Cláudio usou sua espada, pronunciando umas palavras em latim e cortando a cabeça do vampiro antes que ele notasse sua presença. O pai ferido, caído ao chão, chorava sem consolo. Pensou em deixá-lo morrer, mas como um ímpeto se aproximou do homem quase morto.
Era alto, os cabelos curtos. Tinha os braços fortes de um trabalhador e provavelmente amava sua família, assim como Cláudio um dia amou a sua.
Quando recobrou os sentidos tinha transformado o homem, dando-lhe a chance da vingança. Atordoado não conseguiu desfazer o que tinha feito. Era sua primeira cria. Olhava pra ele como um lobo olhava para seu filhote.
Carregando o homem nos braços, Cláudio encontrou Kaius e Kevin no castelo.
‘Onde você estava? O que é isso?’ – perguntava Kaius insistentemente.
‘Depois Kaius’ – dizia Cláudio visivelmente atordoado.
‘Lucius está morto, morto!’ – Kevin falava em prantos – ‘O que vai acontecer agora?’
‘Não sei, não sei’ – respondia Kaius – ‘Fale algo homem, o que é isso?’
Cláudio sem palavras, recobrando os sentidos, olhava para sua cria sem ao certo entender.
‘Eu o transformei’
‘O quê?!? O que você fez?’ – dizia Kaius irritado
‘Como pôde fazer isso?’ – perguntou Kevin – ‘Nós prometemos!’
‘Eu sei, eu sei! Mas me perdi tá? Me perdi!’
‘E agora?’ – perguntou Kevin, querendo uma resposta pra todas as circunstâncias.
‘E agora vamos embora daqui. Já não existe mais nada que podemos fazer por aqui e os vampiros desse lugar ou morreram ou fugiram. Agora é um problema só de humanos.’ – disse Kaius, arrumando uma explicação.
Enquanto os três se retiravam, a cidade continuava a lutar. Outro monarca ia tomar conta dali. Sem poderes sobrenaturais.
Como combinado cada um tomou seu rumo pra não levantarem suspeitas e nunca mais se viram. Cada um com uma nova missão. Kaius voltou pra África, Kevin continuou na Inglaterra e Cláudio se embrenhou na floresta.
Alguns dias após, o homem ferido acordou sem mais dores, nem pesadelos. De súbito, seminu, deitado ao chão gelado de uma gruta. Gritou:
‘Onde estou? Quem é você?’ – perguntou aflito.
‘Eu sou Cláudio’ – respondeu o vampiro mais calmo agora.
‘Onde? Onde está? O que você fez com a minha família?’ – pulou o homem no pescoço de Cláudio, despertando a besta que ainda não conhecia.
Com apenas um toque, Cláudio serenou o homem lhe respondendo todas as suas perguntas e lhe contando o que acontecera a sua família.
‘E agora, o que eu sou?’
‘Agora, você é um vampiro Thiago. Um vampiro.’
Todos sabiam que naquela noite o monarca seria executado, por ter instituído a tirania sobre seus súditos. Aqueles que possuíam fé escondiam-se em casa. O apocalipse se aproximava.
Nunca o condado tinha se transformado daquela maneira, tomado de medo. Todos temiam o monarca e há alguns anos, seus hábitos eram comentados por toda a cidade.
Alguns diziam que gostava de comer carne crua. Outros que as orgias eram constantes. Outros que sua alteza poderia ser a encarnação da própria besta.
Pelos cômodos do castelo podiam se ouvir os guinchos. Os serviçais se escondiam com medo da ira divina. O exército estava por toda a cidade e a tempestade castigava as plantações aos arredores sem nenhuma piedade.
De longe, morcegos voavam pela tempestade. A furtiva, quatro homens de capas pretas se infiltravam dentro do castelo com espadas que luziam sob as capas. Entre a solenidade, o capitão do pelotão estava a postos.
Preso a pesadas argolas de ferro, o monarca tinha a aparência mais aterrorizante. Depois de ter sido gravemente ferido, já não tinha mais forças pra se mover. Careca, com suas longas unhas, trajes rasgados, olhos brilhantes e presas, ele tinha a expressão de um medo que os humanos nunca tinham visto.
Os quatro homens se aproximavam do salão principal.
‘Ah Carlos, finalmente a sua hora chegou’ – disse o mais alto deles. Seus cabelos lisos batiam pelas orelhas e ele tinha uma expressão de vingança atingida.
O monarca só conseguia emitir guinchos, os cortes por todo o corpo já não se fechavam mais. Suas forças se esvaiam a cada segundo. Algo incontrolável gritava dentro de seu peito, e parecia estar em um transe que não terminaria mais.
‘Foram anos, mas hoje, essa sua brincadeirinha com os humanos termina. Achou que ia ficar impune, meu querido?’ – ia dizendo o homem. Seu rosto próximo ao do monarca, numa expressão de extremo prazer – ‘Pensou mesmo?’
Por um instante o monarca atingiu uma expressão de raiva, como se ainda pudesse se salvar do seu destino.
‘Ah Lucius, você sempre tão defensor desses humanos imundos’ - disse o monarca em meio a guinchos de dor e sua voz num tom metálico.
‘Esse é o som do fim da sua eternidade Carlos, esse é o som que você ouvirá ao chegar no inferno’ – disse então o homem, com um sorriso nos lábios.
‘Nós estamos acima do bem e do mal e escreva, um dia, essa sua manutenção da paz irá acabar, entraremos em guerra, você verá’ – guinchava cada vez mais alto o monarca. Seu corpo era atrofiado como ao de um esqueleto, e quem o conhecia diria que tinha envelhecido uns cem anos.
‘Você não pode se conter não é Carlos. Não. Gostou do poder, de suas festas, de suas orgias. De matar gente inocente só pra satisfazer sua fome. Hoje é a besta que te consome e é ela que fará com que você vá para o inferno!’ – disse o homem se distanciando do monarca.
‘Você ainda acredita em Deus não é Lucius? Acha que ele te salvará. Acha que te perdoará, mas você não é diferente de mim. Você é igual a mim. A Besta reside em você e te consome. Acha que existe salvação, que um dia irá encontrar alguém que te faça voltar a ser um maldito humano. Isso é uma lenda. UMA LENDA!’ – guinchava estridente o monarca.
‘Lucius, nosso tempo está acabando!’ – gritou um rapaz de cabelos arrepiados e olhos verdes do meio do salão principal.
O homem então se aproximou do chefe do pelotão e pediu pra que chamasse alguns homens para retirar a guilhotina.
‘Mas senhor, eles estão com medo!’ – dizia o chefe do pelotão visivelmente abalado.
‘Vá e arrume isso logo! Fale para que não temam. Esse ai já não pode mais com ninguém.’ – dizia o homem.
‘Cláudio’
‘Sim Lucius’ – respondeu o terceiro homem de olhos negros e pele branca – ‘Vá com o Kaius defender a cidade do caos. Os capangas de Carlos estão a solta e usando essas pessoas de comida’
‘Ah Lucius! E eu vou perder toda a graça?’ – disse o homem negro e corpulento ao lado dele. Sua careca brilhava às luzes das velas.
‘Você não tem jeito, não é Kaius? Você não tem jeito mesmo. Vá com ele, já usamos muito os poderes de Kevin, ele deve estar cansado e, que ele não nos ouça, mas força física só vocês podem resolver.’
‘Bah, tudo bem. Vamos?’ – disse Kaius a Cláudio – ‘Afinal a graça começa agora!’
‘Vamos’
Enquanto a guilhotina era removida e os raios cortavam pelo céus fazendo um barulho ensurdecedor, Lucius se aproximava do monarca.
‘Agora sou eu e você’ – e Lucius sacou sua espada.
Os guinchos do monarca cada vez mais fortes e sua aparência cada vez mais bestial fez com que todos os soldados corressem do salão principal, inclusive o chefe do pelotão.
Naquele momento só Lucius, o monarca e Kevin estavam naquele local.
‘Te vejo no inferno’ – disse Lucius ao levantar a espada e cortar a cabeça do monarca. A terra então tremeu.
Enquanto seu corpo se desfazia em pó e Lucius embainhava a sua espada, Kevin gritou do meio do salão.
‘CUIDADO!’
Quando Lucius se virou outro vampiro com uma espada na mão estava prestes a lhe ferir. A luta então começou. O salão virou um campo de batalha. Já não eram mais as espadas as armas principais. Os poderes vampíricos também estavam sendo usados. Lucius tinha sido gravemente ferido, perdendo muito sangue. Mas ao levantar sua espada, deu um movimento certeiro ao cortar a cabeça do adversário.
Lucius caiu ao chão sem mais forças, com espasmos e uma aparência parecida a do monarca que acabara de executar. Kevin correu em sua direção e Lucius em meio a guinchos de dor dizia:
‘Kevin, vá embora, minha missão se cumpriu...Só avise meu irmão...Avise...Ele tem que procurar um homem...Seu nome é Shakka...Índia...Vá...Deixe-me...’
Kevin estava numa tentativa desesperada de ajudar o amigo, dizia palavras desconexas, cortava o pulso pra dar sangue a Lucius.
‘Você ainda tem chances Kevin... Salve-se... Vá’
Nesse momento Lucius foi lentamente virando pó e se desfez ao lado de Kevin. Kevin chorava pesadas lágrimas de sangue e aterrorizado saiu do castelo, sem se importar com o caos.
A tempestade não cessava, mas a guerra tomava conta do condado. Kaius e Cláudio conseguiram exterminar alguns vampiros, outros fugiram e alguns ainda barbarizavam o condado.
Ao se aproximar de uma casa, Cláudio ouviu os gritos de desespero de um homem. Entrou rapidamente na casa. A mulher estava mortalmente ferida no chão e a criança era brutalmente assassinada em frente ao seu pai. O vampiro em meio a um sadismo sorria com o corpo inerte da criança nas mãos.
Cláudio usou sua espada, pronunciando umas palavras em latim e cortando a cabeça do vampiro antes que ele notasse sua presença. O pai ferido, caído ao chão, chorava sem consolo. Pensou em deixá-lo morrer, mas como um ímpeto se aproximou do homem quase morto.
Era alto, os cabelos curtos. Tinha os braços fortes de um trabalhador e provavelmente amava sua família, assim como Cláudio um dia amou a sua.
Quando recobrou os sentidos tinha transformado o homem, dando-lhe a chance da vingança. Atordoado não conseguiu desfazer o que tinha feito. Era sua primeira cria. Olhava pra ele como um lobo olhava para seu filhote.
Carregando o homem nos braços, Cláudio encontrou Kaius e Kevin no castelo.
‘Onde você estava? O que é isso?’ – perguntava Kaius insistentemente.
‘Depois Kaius’ – dizia Cláudio visivelmente atordoado.
‘Lucius está morto, morto!’ – Kevin falava em prantos – ‘O que vai acontecer agora?’
‘Não sei, não sei’ – respondia Kaius – ‘Fale algo homem, o que é isso?’
Cláudio sem palavras, recobrando os sentidos, olhava para sua cria sem ao certo entender.
‘Eu o transformei’
‘O quê?!? O que você fez?’ – dizia Kaius irritado
‘Como pôde fazer isso?’ – perguntou Kevin – ‘Nós prometemos!’
‘Eu sei, eu sei! Mas me perdi tá? Me perdi!’
‘E agora?’ – perguntou Kevin, querendo uma resposta pra todas as circunstâncias.
‘E agora vamos embora daqui. Já não existe mais nada que podemos fazer por aqui e os vampiros desse lugar ou morreram ou fugiram. Agora é um problema só de humanos.’ – disse Kaius, arrumando uma explicação.
Enquanto os três se retiravam, a cidade continuava a lutar. Outro monarca ia tomar conta dali. Sem poderes sobrenaturais.
Como combinado cada um tomou seu rumo pra não levantarem suspeitas e nunca mais se viram. Cada um com uma nova missão. Kaius voltou pra África, Kevin continuou na Inglaterra e Cláudio se embrenhou na floresta.
Alguns dias após, o homem ferido acordou sem mais dores, nem pesadelos. De súbito, seminu, deitado ao chão gelado de uma gruta. Gritou:
‘Onde estou? Quem é você?’ – perguntou aflito.
‘Eu sou Cláudio’ – respondeu o vampiro mais calmo agora.
‘Onde? Onde está? O que você fez com a minha família?’ – pulou o homem no pescoço de Cláudio, despertando a besta que ainda não conhecia.
Com apenas um toque, Cláudio serenou o homem lhe respondendo todas as suas perguntas e lhe contando o que acontecera a sua família.
‘E agora, o que eu sou?’
‘Agora, você é um vampiro Thiago. Um vampiro.’
22.12.08
Baratas
Guilherme passou a se alimentar de homens, geralmente um pouco embriagados. No começo era esquisito, mas depois acostumou. Matava dois coelhos com uma cajadada só, pois não podia beber.
Ser vampiro o tornou uma pessoa mais observadora. Nunca teve muita pressa em viver e agora tinha mais um motivo.
Thiago lhe explicava coisas sobre a guerra, sobre o conclave e as regras nojentas da Camarilla. Em algumas horas ele dizia que mais Caitiff que Guilherme não poderia existir. Ele era um Tremer, com habilidades de Gangrel e pensamento Brujah.
Guilherme não entendia nada, mais se sentia importante. Queria lutar, exterminar os vampiros nojentos. Queria a paz, a anarquia, queria a eternidade.
Após alguns meses com Thiago, percebeu que nunca tinha notado seu interior, já que sempre foi muito preocupado com o exterior. Preocupado em demonstrar, não em ser. Ele existia, pela primeira vez.
Um belo dia, sem perceber, Guilherme notou ter poderes sobre objetos. Podia movê-los. Chamou Thiago que olhou aquilo espantado.
-Deve ser algum poder dos Tremer. Aconselho a você ler alguma coisa sobre isso.
-Cara eu odeio ler, mas mexer as coisas com meu pensamento é muito legal!
-Com certeza, isso pode ser de muita valia pra você, se você ler e aprender como usar esse poder.
-Ah mais...
-Garoto, ouve o que eu tô te falando...
-Você sempre me chama de garoto né Thiago, por que hein? Você não é tão mais velho que eu... Quantos anos você tem?
-É falta de educação perguntar sobre a idade Guilherme, sua mãe não te ensinou isso?
-Mas, você tem o que? 30 anos?... E cara, tira essa jaqueta horrorosa de couro... Nós estamos na praia!
-Tenho 350 anos Guilherme. Não sinto calor, e só estou aqui, porque aqui é onde me escondo de tudo. Você deveria começar a fazer o mesmo. E faça suas malas, que nós vamos pra São Paulo.
-Como assim? Eu não posso deixar a loja sozinha...
-Coloca um de seus amigos pra tomar conta, você vai comigo, e não me peça explicações.
-O que vai ter lá Thiago?
-Primeiramente, os livros que eu vou te fazer ler. Segundo, uma maneira de você entender de uma vez por todas que a eternidade não é um passeio. Terceiro, vou te apresentar pra sociedade como se você fosse minha cria. E quatro, assim eu te vigio mais de perto, pra você não fazer besteiras.
E lá foi com Thiago pra São Paulo. Ele tinha um apartamento lá, pequeno, bagunçado, desorganizado. Mas tinha em um dos quartos, uma biblioteca invejável.
-Nossa você gosta mesmo de ler né?
-Tive que fazer alguma coisa pra matar meu tempo. Afinal, físicos gostam de estudar. E você, vai fazer o mesmo, pra aprender a mexer com esses seus poderes.
De repente um medo enorme crescia em Guilherme.
-Cara... Argh! Tira isso daqui!
-O que Guilherme?
-Isso, isso aí... Esse bichinho nojento!
-Ah, é só uma baratinha... Você não tem medo de baratinhas, não é Guilherme?
-É, é... Eu? Não cara...
Não tinha percebido, mas aquele receio com baratas, tinha se tornado algo diferente.
-Isso acontece. Algumas fobias se exacerbam.
-Mas, eu não tenho medo, tô falando!
-É, olhe no espelho...
Nunca tinha se visto transformado. Seus olhos estavam claros como uma gota de água e suas presas eram grandes. Teve medo de si. Logo após o susto, tudo tinha voltado ao normal.
Guilherme se via como um cara atraente, com os cabelos castanhos curtos e lisos e olhos cor de mel, a pele continuava curtida do sol, e os anos de malhação estampados no corpo. Enquanto se olhava no espelho, via que nada tinha mudado, mas não se reconhecia. Era visível que algo que nunca quis dar muita importância, crescia.
Ele estava diferente, e toda aquela história de guerra e caçada, estava latejando em sua cabeça. Continuava a ter os mesmos princípios, mas só fazia crescer o seu interesse pelo desconhecido. Como pular de um bungee jump.
Thiago saiu, o deixando sozinho naquela noite. Disse que teria que fazer algumas coisas pra que a história de ter sido abraçado por ele colasse. Guilherme começou a ler os livros, mas se sentia entediado, com fome. Desobedecendo, saiu.
São Paulo sempre teve muito movimento noturno, todos os dias. Aproveitou pra ir num desses lugares, dançar. E quando estava voltando pra casa, cruzou com uma garota linda, de olhos azuis e cabelos pretos em um beco.
Ela se assustou, olhou fixamente para os seus olhos e saiu correndo, sem que pudesse perceber.
Quando chegou em casa, Thiago estava louco.
-Onde você estava garoto? Alguém te viu? Onde você foi?
-Calma velho, só fui dançar.
-Entre as pessoas? Você estava entre as pessoas? Eu já não te disse...
-Thiago, você já ficou amarradão por alguém?
-Amarradão? – ele me olhou descrente nos olhos
-É amarradão, de quatro, apaixonado...
-Eu sou velho, mas não sou estúpido. Sei o que é amarradão.
-É, porque você foi lá das antigas né? Pô, 350 anos, é tempo pra cacete cara. Mas você foi humano né? E naquela época, você não tinha ninguém? Mulher, filhos? Me conta vai, você tinha esse charme misterioso aí? Pegou muita mulher né Thiago? – Sorria Guilherme.
-Vai dormir Guilherme, já está amanhecendo – Thiago falou com a voz mais sombria que já ouvira. Sua expressão era de indiferença.
Para não causar mais problemas a Thiago, se recolheu, como um filho quando o pai manda. Thiago era na verdade o pai que Guilherme nunca teve. E quando se recolheu no quarto, lembrava dos olhos azuis.
Ser vampiro o tornou uma pessoa mais observadora. Nunca teve muita pressa em viver e agora tinha mais um motivo.
Thiago lhe explicava coisas sobre a guerra, sobre o conclave e as regras nojentas da Camarilla. Em algumas horas ele dizia que mais Caitiff que Guilherme não poderia existir. Ele era um Tremer, com habilidades de Gangrel e pensamento Brujah.
Guilherme não entendia nada, mais se sentia importante. Queria lutar, exterminar os vampiros nojentos. Queria a paz, a anarquia, queria a eternidade.
Após alguns meses com Thiago, percebeu que nunca tinha notado seu interior, já que sempre foi muito preocupado com o exterior. Preocupado em demonstrar, não em ser. Ele existia, pela primeira vez.
Um belo dia, sem perceber, Guilherme notou ter poderes sobre objetos. Podia movê-los. Chamou Thiago que olhou aquilo espantado.
-Deve ser algum poder dos Tremer. Aconselho a você ler alguma coisa sobre isso.
-Cara eu odeio ler, mas mexer as coisas com meu pensamento é muito legal!
-Com certeza, isso pode ser de muita valia pra você, se você ler e aprender como usar esse poder.
-Ah mais...
-Garoto, ouve o que eu tô te falando...
-Você sempre me chama de garoto né Thiago, por que hein? Você não é tão mais velho que eu... Quantos anos você tem?
-É falta de educação perguntar sobre a idade Guilherme, sua mãe não te ensinou isso?
-Mas, você tem o que? 30 anos?... E cara, tira essa jaqueta horrorosa de couro... Nós estamos na praia!
-Tenho 350 anos Guilherme. Não sinto calor, e só estou aqui, porque aqui é onde me escondo de tudo. Você deveria começar a fazer o mesmo. E faça suas malas, que nós vamos pra São Paulo.
-Como assim? Eu não posso deixar a loja sozinha...
-Coloca um de seus amigos pra tomar conta, você vai comigo, e não me peça explicações.
-O que vai ter lá Thiago?
-Primeiramente, os livros que eu vou te fazer ler. Segundo, uma maneira de você entender de uma vez por todas que a eternidade não é um passeio. Terceiro, vou te apresentar pra sociedade como se você fosse minha cria. E quatro, assim eu te vigio mais de perto, pra você não fazer besteiras.
E lá foi com Thiago pra São Paulo. Ele tinha um apartamento lá, pequeno, bagunçado, desorganizado. Mas tinha em um dos quartos, uma biblioteca invejável.
-Nossa você gosta mesmo de ler né?
-Tive que fazer alguma coisa pra matar meu tempo. Afinal, físicos gostam de estudar. E você, vai fazer o mesmo, pra aprender a mexer com esses seus poderes.
De repente um medo enorme crescia em Guilherme.
-Cara... Argh! Tira isso daqui!
-O que Guilherme?
-Isso, isso aí... Esse bichinho nojento!
-Ah, é só uma baratinha... Você não tem medo de baratinhas, não é Guilherme?
-É, é... Eu? Não cara...
Não tinha percebido, mas aquele receio com baratas, tinha se tornado algo diferente.
-Isso acontece. Algumas fobias se exacerbam.
-Mas, eu não tenho medo, tô falando!
-É, olhe no espelho...
Nunca tinha se visto transformado. Seus olhos estavam claros como uma gota de água e suas presas eram grandes. Teve medo de si. Logo após o susto, tudo tinha voltado ao normal.
Guilherme se via como um cara atraente, com os cabelos castanhos curtos e lisos e olhos cor de mel, a pele continuava curtida do sol, e os anos de malhação estampados no corpo. Enquanto se olhava no espelho, via que nada tinha mudado, mas não se reconhecia. Era visível que algo que nunca quis dar muita importância, crescia.
Ele estava diferente, e toda aquela história de guerra e caçada, estava latejando em sua cabeça. Continuava a ter os mesmos princípios, mas só fazia crescer o seu interesse pelo desconhecido. Como pular de um bungee jump.
Thiago saiu, o deixando sozinho naquela noite. Disse que teria que fazer algumas coisas pra que a história de ter sido abraçado por ele colasse. Guilherme começou a ler os livros, mas se sentia entediado, com fome. Desobedecendo, saiu.
São Paulo sempre teve muito movimento noturno, todos os dias. Aproveitou pra ir num desses lugares, dançar. E quando estava voltando pra casa, cruzou com uma garota linda, de olhos azuis e cabelos pretos em um beco.
Ela se assustou, olhou fixamente para os seus olhos e saiu correndo, sem que pudesse perceber.
Quando chegou em casa, Thiago estava louco.
-Onde você estava garoto? Alguém te viu? Onde você foi?
-Calma velho, só fui dançar.
-Entre as pessoas? Você estava entre as pessoas? Eu já não te disse...
-Thiago, você já ficou amarradão por alguém?
-Amarradão? – ele me olhou descrente nos olhos
-É amarradão, de quatro, apaixonado...
-Eu sou velho, mas não sou estúpido. Sei o que é amarradão.
-É, porque você foi lá das antigas né? Pô, 350 anos, é tempo pra cacete cara. Mas você foi humano né? E naquela época, você não tinha ninguém? Mulher, filhos? Me conta vai, você tinha esse charme misterioso aí? Pegou muita mulher né Thiago? – Sorria Guilherme.
-Vai dormir Guilherme, já está amanhecendo – Thiago falou com a voz mais sombria que já ouvira. Sua expressão era de indiferença.
Para não causar mais problemas a Thiago, se recolheu, como um filho quando o pai manda. Thiago era na verdade o pai que Guilherme nunca teve. E quando se recolheu no quarto, lembrava dos olhos azuis.
19.12.08
Seu nome: perdição
Não se tornou um pessimista. Sempre pensava no lado bom das coisas. Sempre analisou as situações do lado do aprendizado, da lição. Mas o dia em que se viu transformado, não entendia o porquê.
Era domingo, e seu corpo estava todo dolorido. Ele jogado atrás do balcão do bar destruído, com vidros estilhaçados por todos os lados, dava a entender que por ali passara um trator.
Não tinha muitas recordações do incidente, afinal, a única coisa que lembrava é que uma garota de olhos claros e pele como cera conversava com ele por horas e não sabia por que não conseguia retirar seus olhos dos olhos dela.
Sua conversa era envolvente e seus lábios pareciam se mover em câmera lenta. Apesar disso tudo, não a viu sorrir, nem por um segundo. Tinha uma expressão triste, assim como outros dois amigos dela.
Enquanto terminava de tomar sua cerveja, tentava a convencer de tirar aquele casaco preto. Estavam numa praia linda, de frente pro mar, meio de fevereiro. Era um calor infernal. Ubatuba nessa época do ano era apinhada por causa das férias, do carnaval, da estação.
Ela insistia em mantê-lo e ia o mantendo em seu lado, a cada palavra mais ríspida que dizia. Ele achava que tinha a ver com aquela mania galanteadora que tinha de não deixar nenhuma garota desamparada sozinha.
Estupidez. Assim que tomou seu último gole na cerveja, mais dois elementos estranhos entraram no bar, com as mesmas roupas da garota, gritaram alguma coisa em direção a um grupo de amigos que se encontravam no local, e quando menos esperava, a primeira janela se partiu.
A garota se aproximou rapidamente dele, e como num estalo, ela grudou em seu pescoço. Já não se recordava muito mais sobre as coisas. Tudo ficou como em sonhos, flashes esquecidos em sua memória.
Quando acordou, tinha dores por todo o corpo, como se todos os seus órgãos fossem explodir. Enquanto gritava e se retorcia, uma voz grave falava:
- É a morte, não dá pra fugir dela.
Sem que notasse, um homem aparentado ser jovem estava em sua frente e como num instinto quase selvagem, pulou em direção ao seu pulso, que escorria um sangue escuro, pulsante.
-Pra você não sentir tanta dor. Viu quem te mordeu? – enquanto ele segurava sua cabeça e o corte se fechava rapidamente de seu pulso.
-Não. O que está acontecendo comigo? – perguntou assustado achando uma aberração por estar bebendo sangue como um animal irracional.
-Você foi transformado. Agora é um vampiro. Só não consegui ver com toda a confusão quem te mordeu. Se foi a garota ou se foi um dos freaks que estavam com ela. Eles não te transformaram direito. Tava quase morrendo quando cheguei aqui.
-Nossa você é bem direto não é mesmo, ainda não estou entendendo nada do que aconteceu comigo e você joga as coisas em minha cara, assim, sem nem me explicar.
-Desculpe, meu nome é Thiago, sou um Gangrel, um clã de vampiro, que depois te explico. Mas você, não sei quem te mordeu, mas sei que alguém tem que te explicar as coisas. Eu sou prático, sempre fui. Por isso fiz Física quando estava me formando.
-Nossa, você não parece ter cara de físico. Os físicos têm...
-Cara de nerd. Não, eu não tenho. E você com esse físico de surfista pegador, também não tem cara de quem um Tremer tentaria abraçar. Talvez a garota tenha se apaixonado mesmo.
-Abraçar?
-É, transformar em vampiro.
Enquanto ele falava, e olhava minuciosamente pelo local, ele ia lhe explicando coisas que nunca imaginou existir.
-Mas eu sou um cara tranqüilo, tenho lá minha loja de surfe, gosto de surfar, moro aqui, porque raios alguém ia fazer isso comigo?
-Vai ver que a garotinha tinha intenção de usar você como escravo sexual. Ou pelos seus belos olhos cor de mel.
-Cara, menos.
Essa ironia pairava em todas as palavras de Thiago. Ele era um cara alto, de aparência normal, que ninguém pensaria ser um vampiro.
-Pensa pelo lado positivo – ele lhe dizia - você vai ficar assim, bonito, musculoso, sem rugas, pelo resto da eternidade.
-Nada em mim vai mudar?
-Não. Mas também, nunca mais vai comer, e nunca mais vai beber, e nunca mais vai faturar daquela forma que você está acostumado a faturar.
-Como assim? Eu nunca mais vou... Vou... E como você sabe que eu estou acostumado a faturar?
-Porque é típico de caras assim, como você. Mas respondendo sua pergunta, não. Nunca mais você vai ter uma relação com nenhuma mulher. Pode esquecer - Ele tocava o chão e cheirava a mão, tentando descobrir algo diferente.
-E qual é a vantagem de viver pela eternidade?
-Por esse lado, nenhuma. Aliás, não há nenhuma vantagem em ser imortal.
-É tô vendo que não mesmo. Se eu não vou poder sair com todas as mulheres do mundo...
-Sair você pode, mas nada vai funcionar.
-Nada?
-Talvez seu charme...
-Que droga! Que maldita! O quê que aquela menina tinha que me morder...
-Na verdade, eu acho que foi um erro... Tremer não iria abraçar alguém assim... Vai ver que é por isso que eles te largaram aqui... Talvez pensaram que você estava morto. E a outra garota, aquela que estava com o grupo de amigos? Você já a viu por aqui?
-Cara, eu tô aqui, sofrendo por estar morto, literalmente, e você vem me perguntar sobre garota?
-Escute aqui rapaz! - pela primeira vez, ele olhou em seus olhos – o que aconteceu aqui foi muito mais do que uma simples transformação de sua vidinha medíocre em um imortal. Nós estamos em guerra!
-Guerra? Cara, você tá ficando maluco, olha só...
-Garoto, o negócio é sério. Essa garota que estava aqui, ela tem um cheiro diferente. Ela não pertence a um clã comum. E esses vampiros, incluindo a ninfeta que te mordeu, estavam atrás dela, por alguma razão.
-Que viagem meu...
-Agora, vamos sair daqui, preciso te explicar algumas coisas.
Enquanto saíam do local, Thiago lhe explicava coisas sobre os vampiros, suas castas, suas leis e mais um monte de coisas que sua cabeça confusa no momento não conseguia assimilar.
-Você é um caitiff, um paria, um excluído. Assim como eu.
-Como assim?
-Pra sociedade vampírica, você é uma aberração. E se os Tremer desconfiarem que aquela garota te semi transformou, pode dar adeus a sua eternidade. Sua morte não vai ser das melhores.
-E agora, o que eu faço?
-Vem comigo, vou te ensinar ser vampiro.
-Mas você também é excluído?
-Não como você. Eu me excluo por vontade própria. Excluo-me porque sou um caçador, sou um homem da natureza, da justiça. Porque estou do lado ‘bom’ da guerra.
-Mas existem lados bons na guerra?
-Não. Mas existem lados que são mais coerentes. Aqueles que querem manter a tranqüilidade, que querem viver suas vidas e trilhar seus caminhos, sem mortes insanas, sem shows, sem dor.
-Você é tipo, um Robin Hood dos vampiros?
-Não, sou prático. E vou te ensinar a se defender e sobreviver. Qual seu nome?
-Guilherme.
Na verdade, por um momento, ele achava que seu nome era perdição. Thiago lhe ensinou umas habilidades que ele chamava de disciplinas. Deu-lhe mais rapidez e mais potência na hora de se defender. Não que quisesse aprender a lutar, mas Thiago dizia que tinha que saber se defender.
Suas manobras no surf tinham ficado melhores e agora, não tinha mais medo de arriscar, não quebraria seu pescoço. E só morreria se sua cabeça fosse cortada.
Já não podia mais tomar o sol que tanto amava, já que isso também lhe mataria, e a loja que possuía tinha se tornado um point noturno de encontro de seus amigos. Thiago lhe dizia que não poderia dizer a ninguém sobre ser vampiro, e por anos passou assim.
-E na hora de comer?
-Bom você pode se alimentar das pessoas, sem matá-las é óbvio, dos animais, de ratos...
-Ratos?
-É, até dos bancos de sangue, se você tiver contatos dentro de algum hospital.
-Cara, que maluco...
-E se você quiser se embebedar tem que tomar sangue de alguns embriagados por aí.
-Pô, já não vou pegar mulher, e agora, não vou mais beber também? Não quero mais ser vampiro cara, não quero mais!
-Não adianta, se você quiser não morrer de vez, essa é a única maneira.
-Pô, também não bebo sangue de mulher. Não bebo... Só de homem!
-Não se esqueça que você vai ter que lamber e dar o Beijo.
-Lamber? Beijo? Que história é essa!
-É assim que temos que nos alimentar de humanos. Primeiro lambemos, depois mordemos seus pescoços pra poder tirar o sangue, e depois, lambemos de novo, pra não deixar nenhuma marca.
-Mais aí, eles viram vampiros também?
-Não, só se eles tomarem do seu sangue. E não seja nem louco de fazer isso, entendeu? Os motivos têm que ser muito fortes pra isso. Veja você mesmo.
-Que coisa de boiola... E agora, o que eu faço? Como é que você faz?
-Animais...
-Argh!!! Que nojo!!!
-Bom cada um toma a decisão que quiser.
-E os espelhos? Posso me ver nos espelhos?
-Pode, só os Lasombra não podem.
-Lasombra?
-É, com o tempo você aprende...
-E as estacas?
-Não te matam, te paralisam. Nem a água benta, nem o alho, nem as cruzes. Vê? - Thiago tinha uma cruz de malta pendurada em seu pescoço.
-E eu tenho que dormir num caixão?
-Se você gostar de ser mórbido.
-E o Drácula?!?
-Existe... E, nunca queira encontrá-lo.
Era domingo, e seu corpo estava todo dolorido. Ele jogado atrás do balcão do bar destruído, com vidros estilhaçados por todos os lados, dava a entender que por ali passara um trator.
Não tinha muitas recordações do incidente, afinal, a única coisa que lembrava é que uma garota de olhos claros e pele como cera conversava com ele por horas e não sabia por que não conseguia retirar seus olhos dos olhos dela.
Sua conversa era envolvente e seus lábios pareciam se mover em câmera lenta. Apesar disso tudo, não a viu sorrir, nem por um segundo. Tinha uma expressão triste, assim como outros dois amigos dela.
Enquanto terminava de tomar sua cerveja, tentava a convencer de tirar aquele casaco preto. Estavam numa praia linda, de frente pro mar, meio de fevereiro. Era um calor infernal. Ubatuba nessa época do ano era apinhada por causa das férias, do carnaval, da estação.
Ela insistia em mantê-lo e ia o mantendo em seu lado, a cada palavra mais ríspida que dizia. Ele achava que tinha a ver com aquela mania galanteadora que tinha de não deixar nenhuma garota desamparada sozinha.
Estupidez. Assim que tomou seu último gole na cerveja, mais dois elementos estranhos entraram no bar, com as mesmas roupas da garota, gritaram alguma coisa em direção a um grupo de amigos que se encontravam no local, e quando menos esperava, a primeira janela se partiu.
A garota se aproximou rapidamente dele, e como num estalo, ela grudou em seu pescoço. Já não se recordava muito mais sobre as coisas. Tudo ficou como em sonhos, flashes esquecidos em sua memória.
Quando acordou, tinha dores por todo o corpo, como se todos os seus órgãos fossem explodir. Enquanto gritava e se retorcia, uma voz grave falava:
- É a morte, não dá pra fugir dela.
Sem que notasse, um homem aparentado ser jovem estava em sua frente e como num instinto quase selvagem, pulou em direção ao seu pulso, que escorria um sangue escuro, pulsante.
-Pra você não sentir tanta dor. Viu quem te mordeu? – enquanto ele segurava sua cabeça e o corte se fechava rapidamente de seu pulso.
-Não. O que está acontecendo comigo? – perguntou assustado achando uma aberração por estar bebendo sangue como um animal irracional.
-Você foi transformado. Agora é um vampiro. Só não consegui ver com toda a confusão quem te mordeu. Se foi a garota ou se foi um dos freaks que estavam com ela. Eles não te transformaram direito. Tava quase morrendo quando cheguei aqui.
-Nossa você é bem direto não é mesmo, ainda não estou entendendo nada do que aconteceu comigo e você joga as coisas em minha cara, assim, sem nem me explicar.
-Desculpe, meu nome é Thiago, sou um Gangrel, um clã de vampiro, que depois te explico. Mas você, não sei quem te mordeu, mas sei que alguém tem que te explicar as coisas. Eu sou prático, sempre fui. Por isso fiz Física quando estava me formando.
-Nossa, você não parece ter cara de físico. Os físicos têm...
-Cara de nerd. Não, eu não tenho. E você com esse físico de surfista pegador, também não tem cara de quem um Tremer tentaria abraçar. Talvez a garota tenha se apaixonado mesmo.
-Abraçar?
-É, transformar em vampiro.
Enquanto ele falava, e olhava minuciosamente pelo local, ele ia lhe explicando coisas que nunca imaginou existir.
-Mas eu sou um cara tranqüilo, tenho lá minha loja de surfe, gosto de surfar, moro aqui, porque raios alguém ia fazer isso comigo?
-Vai ver que a garotinha tinha intenção de usar você como escravo sexual. Ou pelos seus belos olhos cor de mel.
-Cara, menos.
Essa ironia pairava em todas as palavras de Thiago. Ele era um cara alto, de aparência normal, que ninguém pensaria ser um vampiro.
-Pensa pelo lado positivo – ele lhe dizia - você vai ficar assim, bonito, musculoso, sem rugas, pelo resto da eternidade.
-Nada em mim vai mudar?
-Não. Mas também, nunca mais vai comer, e nunca mais vai beber, e nunca mais vai faturar daquela forma que você está acostumado a faturar.
-Como assim? Eu nunca mais vou... Vou... E como você sabe que eu estou acostumado a faturar?
-Porque é típico de caras assim, como você. Mas respondendo sua pergunta, não. Nunca mais você vai ter uma relação com nenhuma mulher. Pode esquecer - Ele tocava o chão e cheirava a mão, tentando descobrir algo diferente.
-E qual é a vantagem de viver pela eternidade?
-Por esse lado, nenhuma. Aliás, não há nenhuma vantagem em ser imortal.
-É tô vendo que não mesmo. Se eu não vou poder sair com todas as mulheres do mundo...
-Sair você pode, mas nada vai funcionar.
-Nada?
-Talvez seu charme...
-Que droga! Que maldita! O quê que aquela menina tinha que me morder...
-Na verdade, eu acho que foi um erro... Tremer não iria abraçar alguém assim... Vai ver que é por isso que eles te largaram aqui... Talvez pensaram que você estava morto. E a outra garota, aquela que estava com o grupo de amigos? Você já a viu por aqui?
-Cara, eu tô aqui, sofrendo por estar morto, literalmente, e você vem me perguntar sobre garota?
-Escute aqui rapaz! - pela primeira vez, ele olhou em seus olhos – o que aconteceu aqui foi muito mais do que uma simples transformação de sua vidinha medíocre em um imortal. Nós estamos em guerra!
-Guerra? Cara, você tá ficando maluco, olha só...
-Garoto, o negócio é sério. Essa garota que estava aqui, ela tem um cheiro diferente. Ela não pertence a um clã comum. E esses vampiros, incluindo a ninfeta que te mordeu, estavam atrás dela, por alguma razão.
-Que viagem meu...
-Agora, vamos sair daqui, preciso te explicar algumas coisas.
Enquanto saíam do local, Thiago lhe explicava coisas sobre os vampiros, suas castas, suas leis e mais um monte de coisas que sua cabeça confusa no momento não conseguia assimilar.
-Você é um caitiff, um paria, um excluído. Assim como eu.
-Como assim?
-Pra sociedade vampírica, você é uma aberração. E se os Tremer desconfiarem que aquela garota te semi transformou, pode dar adeus a sua eternidade. Sua morte não vai ser das melhores.
-E agora, o que eu faço?
-Vem comigo, vou te ensinar ser vampiro.
-Mas você também é excluído?
-Não como você. Eu me excluo por vontade própria. Excluo-me porque sou um caçador, sou um homem da natureza, da justiça. Porque estou do lado ‘bom’ da guerra.
-Mas existem lados bons na guerra?
-Não. Mas existem lados que são mais coerentes. Aqueles que querem manter a tranqüilidade, que querem viver suas vidas e trilhar seus caminhos, sem mortes insanas, sem shows, sem dor.
-Você é tipo, um Robin Hood dos vampiros?
-Não, sou prático. E vou te ensinar a se defender e sobreviver. Qual seu nome?
-Guilherme.
Na verdade, por um momento, ele achava que seu nome era perdição. Thiago lhe ensinou umas habilidades que ele chamava de disciplinas. Deu-lhe mais rapidez e mais potência na hora de se defender. Não que quisesse aprender a lutar, mas Thiago dizia que tinha que saber se defender.
Suas manobras no surf tinham ficado melhores e agora, não tinha mais medo de arriscar, não quebraria seu pescoço. E só morreria se sua cabeça fosse cortada.
Já não podia mais tomar o sol que tanto amava, já que isso também lhe mataria, e a loja que possuía tinha se tornado um point noturno de encontro de seus amigos. Thiago lhe dizia que não poderia dizer a ninguém sobre ser vampiro, e por anos passou assim.
-E na hora de comer?
-Bom você pode se alimentar das pessoas, sem matá-las é óbvio, dos animais, de ratos...
-Ratos?
-É, até dos bancos de sangue, se você tiver contatos dentro de algum hospital.
-Cara, que maluco...
-E se você quiser se embebedar tem que tomar sangue de alguns embriagados por aí.
-Pô, já não vou pegar mulher, e agora, não vou mais beber também? Não quero mais ser vampiro cara, não quero mais!
-Não adianta, se você quiser não morrer de vez, essa é a única maneira.
-Pô, também não bebo sangue de mulher. Não bebo... Só de homem!
-Não se esqueça que você vai ter que lamber e dar o Beijo.
-Lamber? Beijo? Que história é essa!
-É assim que temos que nos alimentar de humanos. Primeiro lambemos, depois mordemos seus pescoços pra poder tirar o sangue, e depois, lambemos de novo, pra não deixar nenhuma marca.
-Mais aí, eles viram vampiros também?
-Não, só se eles tomarem do seu sangue. E não seja nem louco de fazer isso, entendeu? Os motivos têm que ser muito fortes pra isso. Veja você mesmo.
-Que coisa de boiola... E agora, o que eu faço? Como é que você faz?
-Animais...
-Argh!!! Que nojo!!!
-Bom cada um toma a decisão que quiser.
-E os espelhos? Posso me ver nos espelhos?
-Pode, só os Lasombra não podem.
-Lasombra?
-É, com o tempo você aprende...
-E as estacas?
-Não te matam, te paralisam. Nem a água benta, nem o alho, nem as cruzes. Vê? - Thiago tinha uma cruz de malta pendurada em seu pescoço.
-E eu tenho que dormir num caixão?
-Se você gostar de ser mórbido.
-E o Drácula?!?
-Existe... E, nunca queira encontrá-lo.
O último amanhecer
Eram seis horas da manhã de uma sexta –feira a última vez que viu o sol. O céu estava tingido de vermelho, e tudo parecia lindo, calmo e patético, como a sua vida.
Ainda tinha um resto de champagne na garrafa, a cama desarrumada, a janela aberta deixando a brisa entrar. O lençol branco enrolado em seu corpo tinha um cheiro nauseante, como os seus pensamentos.
As janelas de Los Angeles refletiam uma luz brilhante que ardia em seus olhos e ela deixava, porque sentia.
Na noite anterior, tinha se deixado levar pela festa na galeria, a exposição do último artista tinha sido um sucesso, e bebeu um pouco demais. Lembrava de um garoto de cabelos castanhos e olhos escuros. Foi pra casa com ela. Devia ter ido embora cedo. Lembrava-se de suas mãos. Eram macias. Os beijos doces.
Estava com raiva, viu Kevin com uma garota sem sal, os cabelos brancos de tão oxigenados, aquele jeito estranho, raiva, muita raiva.
Nasceu no Brasil. Era filha única, e desde pequena teve contato com a arte. Os pais eram artistas plásticos. A mãe pintava quadros pós-modernos e o pai esculpia peças clássicas para lojas. Sempre teve dinheiro, e nunca precisou se preocupar em trabalhar.
Os avós maternos tinham uma empresa que fabricava plásticos. Seu pai era diretor dessa empresa. Foi desse laço que conheceu sua mãe e casou-se com ela. Nunca soube se eles eram realmente felizes. Acreditava que não, mas era só uma suposição.
Sua criação foi de princesa. E se comportava, talvez até hoje se comporte, como uma. Estudou nos melhores colégios, fez cursos e mais cursos de piano, línguas, e nas horas vagas, aprendia variadas técnicas de pintura com a mãe. Gostava de seus quadros, queria pintá-los.
Quando terminou o colegial, seus pais lhe mandaram para os EUA para estudar. Fez artes plásticas em Yale. Anos normais de faculdade, com festas e muitos estudos. Foi a melhor aluna. Não muito popular, nem muito solitária.
Quando terminou a faculdade se mudou para Los Angeles. Com o dinheiro que seus pais lhe emprestaram, abriu uma galeria de artes.
Nada ia muito bem, mas com o passar de alguns meses, tudo começou a melhorar. No começo expunha mais os seus quadros. Os vendia e conseguia um dinheiro para se manter bem. Depois começaram exposições de artistas renomados. E quando menos percebeu, sua galeria era um centro de referência artística em LA.
Seus pais, em uma viagem pelo Brasil, morreram em um acidente de carro. Como filha única, herdou toda a fortuna. Sabia administrar bem. Era a filha pródiga de seu pai. Tinha aprendido tudo o que ele lhe ensinara. Inclusive administração.
Há poucos meses, conheceu um homem chamado Kevin. Um corte diferente de cabelo, óculos sem aro, olhos verdes escuros, pele muito branca, uma voz fina e macia. Elegante. Usava ternos bem cortados, as mãos sempre muito limpas, um perfume muito marcante.
Kevin ia à galeria sempre depois da sete da noite, e ficava contemplando quadros por horas. A princípio achava estranho aquele homem que parava em frente a algo, analisando a cada detalhe. Suas visitas se tornaram freqüentes e a curiosidade dela também. Descobriu seu nome e que era de uma família tradicional de Los Angeles.
Um certo dia resolveu dar uma palavra com ele. Mas tinha chegado somente à noite na galeria quando foi surpreendida:
“Boa noite” – ele lhe disse com um sorriso nos lábios
“Boa noite” – respondeu assustada
“Meu nome é Kevin e gostaria de saber sobre um quadro que vi exposto, perguntei a um de seus atendentes, mas pediram que eu falasse com você...”
“Qual o quadro?”
“Você pode me acompanhar?”
“Claro...”
Enquanto conversavam, um fascínio grande crescia nela. A sua voz era envolvente e seus olhos penetravam. Era gentil e atencioso.
O quadro era dela e recebeu muito dinheiro por ele. Através dessa conversa, Kevin começou a freqüentar a galeria mais vezes. Na verdade, todos os dias.
E a cada dia que passava o seu fascínio por ele aumentava. Era algo inerente a sua vontade, o achava tudo o que nunca tinha visto antes. Nunca se apaixonou, e sabia que não estava apaixonada. Como Kevin, ela o contemplava, da mesma forma em que ele contemplava tudo o que estava a sua volta.
Fascinava-lhe loucamente. Levou-a pra jantar muitas vezes. Sempre quando a deixava em casa, passava a mão pelo seu rosto e a beijava entre os dedos.
Queria levá-lo a seu apartamento. Queria abraçá-lo, jogá-lo na cama, sentir seu corpo. Sabia que era macio, sabia que era amoroso. Estava obcecada, louca de desejo e se controlava por puro moralismo. Ele sabia, ela sentia que sabia.
Um dia, Kevin disse que estava louco por sua beleza. Queria imortaliza-la. Queria a ter por perto, daquele jeito, para sempre. Para a eternidade.
Era magra, a pele clara, os olhos azuis e os cabelos bem pretos. Seus avós paternos eram irlandeses.
Kevin dizia que seus olhos tinham um azul especial. Dizia que poderia a conhecer através dos olhos, se quisesse, saberia seus pensamentos. Ele a seduzia e ela se deixava levar. Quando percebeu, sentia necessidade de tê-lo por perto.
Naquela noite, quando o viu com outra mulher, sentiu raiva, ódio, desprezo. Um misto. Ele não a olhava, fingia que nunca a tinha isto. E tudo o que lhe disse? E seu jeito gentil? Não pensou.
Naquela sexta-feira seguinte a festa, procurou seu nome no cadastro e achou seu endereço. Foi guiada pela ira, até ver aqueles olhos quando lhe abriu a porta. Não conseguiu dizer o que queria, do jeito que queria.
“Você está pronta, não está?” – ele perguntou calmamente
“Estou” – ela respondeu sem hesitar
“Sabe o que vou lhe fazer, não sabe?” – mais uma vez, com segurança lhe perguntava
“Não me importo” •
Kevin mostrou os dentes, os olhos vermelhos e mesmo assim, não ela não sentiu medo. Ele lambia seu pescoço enquanto tirava seu vestido. Sentia seu corpo arrepiar, enquanto ele a beijava. Sentia prazer, prazer intenso, sentia seu corpo desfalecer, sua alma esvaindo aos poucos. Tudo escurecendo, seu corpo trêmulo.
Acordou sugando o pulso de Kevin.
“Assim, assim está bom” – ele dizia.
Começou a sentir dores horríveis. Dores que nunca pensou sentir em sua vida. E dormiu. Quando acordou olhava para os botões de sua camisa por, no mínimo, cinco minutos. Todas as cores pareciam mais vivas. Os sons mais nítidos, o tato muito aguçado. As sensações eram mais intensas, muito mais apaixonantes, muito mais excitantes. Gostava daquilo.
Kevin lhe explicou tudo. O que é ser um vampiro, quais suas implicações, o que podia, o que não podia. Mas lhe manteve longe do mundo. Não sabia por quanto tempo, nem sabia por que.
Previsivelmente, ele se entediou com sua presença. De alguma forma, ela sabia que ele não era como ela. Não via aquela existência como ela. Deixou-a.
Mesmo após muitos anos, ainda sentia aquela fascinação. Uma necessidade. Um abrigo. Um refúgio. Uma vida. Uma bela eternidade.
Era Natal quando Beatriz descia no aeroporto de São Paulo, rumo a casa que viveu em toda a sua infância.
Ainda tinha um resto de champagne na garrafa, a cama desarrumada, a janela aberta deixando a brisa entrar. O lençol branco enrolado em seu corpo tinha um cheiro nauseante, como os seus pensamentos.
As janelas de Los Angeles refletiam uma luz brilhante que ardia em seus olhos e ela deixava, porque sentia.
Na noite anterior, tinha se deixado levar pela festa na galeria, a exposição do último artista tinha sido um sucesso, e bebeu um pouco demais. Lembrava de um garoto de cabelos castanhos e olhos escuros. Foi pra casa com ela. Devia ter ido embora cedo. Lembrava-se de suas mãos. Eram macias. Os beijos doces.
Estava com raiva, viu Kevin com uma garota sem sal, os cabelos brancos de tão oxigenados, aquele jeito estranho, raiva, muita raiva.
Nasceu no Brasil. Era filha única, e desde pequena teve contato com a arte. Os pais eram artistas plásticos. A mãe pintava quadros pós-modernos e o pai esculpia peças clássicas para lojas. Sempre teve dinheiro, e nunca precisou se preocupar em trabalhar.
Os avós maternos tinham uma empresa que fabricava plásticos. Seu pai era diretor dessa empresa. Foi desse laço que conheceu sua mãe e casou-se com ela. Nunca soube se eles eram realmente felizes. Acreditava que não, mas era só uma suposição.
Sua criação foi de princesa. E se comportava, talvez até hoje se comporte, como uma. Estudou nos melhores colégios, fez cursos e mais cursos de piano, línguas, e nas horas vagas, aprendia variadas técnicas de pintura com a mãe. Gostava de seus quadros, queria pintá-los.
Quando terminou o colegial, seus pais lhe mandaram para os EUA para estudar. Fez artes plásticas em Yale. Anos normais de faculdade, com festas e muitos estudos. Foi a melhor aluna. Não muito popular, nem muito solitária.
Quando terminou a faculdade se mudou para Los Angeles. Com o dinheiro que seus pais lhe emprestaram, abriu uma galeria de artes.
Nada ia muito bem, mas com o passar de alguns meses, tudo começou a melhorar. No começo expunha mais os seus quadros. Os vendia e conseguia um dinheiro para se manter bem. Depois começaram exposições de artistas renomados. E quando menos percebeu, sua galeria era um centro de referência artística em LA.
Seus pais, em uma viagem pelo Brasil, morreram em um acidente de carro. Como filha única, herdou toda a fortuna. Sabia administrar bem. Era a filha pródiga de seu pai. Tinha aprendido tudo o que ele lhe ensinara. Inclusive administração.
Há poucos meses, conheceu um homem chamado Kevin. Um corte diferente de cabelo, óculos sem aro, olhos verdes escuros, pele muito branca, uma voz fina e macia. Elegante. Usava ternos bem cortados, as mãos sempre muito limpas, um perfume muito marcante.
Kevin ia à galeria sempre depois da sete da noite, e ficava contemplando quadros por horas. A princípio achava estranho aquele homem que parava em frente a algo, analisando a cada detalhe. Suas visitas se tornaram freqüentes e a curiosidade dela também. Descobriu seu nome e que era de uma família tradicional de Los Angeles.
Um certo dia resolveu dar uma palavra com ele. Mas tinha chegado somente à noite na galeria quando foi surpreendida:
“Boa noite” – ele lhe disse com um sorriso nos lábios
“Boa noite” – respondeu assustada
“Meu nome é Kevin e gostaria de saber sobre um quadro que vi exposto, perguntei a um de seus atendentes, mas pediram que eu falasse com você...”
“Qual o quadro?”
“Você pode me acompanhar?”
“Claro...”
Enquanto conversavam, um fascínio grande crescia nela. A sua voz era envolvente e seus olhos penetravam. Era gentil e atencioso.
O quadro era dela e recebeu muito dinheiro por ele. Através dessa conversa, Kevin começou a freqüentar a galeria mais vezes. Na verdade, todos os dias.
E a cada dia que passava o seu fascínio por ele aumentava. Era algo inerente a sua vontade, o achava tudo o que nunca tinha visto antes. Nunca se apaixonou, e sabia que não estava apaixonada. Como Kevin, ela o contemplava, da mesma forma em que ele contemplava tudo o que estava a sua volta.
Fascinava-lhe loucamente. Levou-a pra jantar muitas vezes. Sempre quando a deixava em casa, passava a mão pelo seu rosto e a beijava entre os dedos.
Queria levá-lo a seu apartamento. Queria abraçá-lo, jogá-lo na cama, sentir seu corpo. Sabia que era macio, sabia que era amoroso. Estava obcecada, louca de desejo e se controlava por puro moralismo. Ele sabia, ela sentia que sabia.
Um dia, Kevin disse que estava louco por sua beleza. Queria imortaliza-la. Queria a ter por perto, daquele jeito, para sempre. Para a eternidade.
Era magra, a pele clara, os olhos azuis e os cabelos bem pretos. Seus avós paternos eram irlandeses.
Kevin dizia que seus olhos tinham um azul especial. Dizia que poderia a conhecer através dos olhos, se quisesse, saberia seus pensamentos. Ele a seduzia e ela se deixava levar. Quando percebeu, sentia necessidade de tê-lo por perto.
Naquela noite, quando o viu com outra mulher, sentiu raiva, ódio, desprezo. Um misto. Ele não a olhava, fingia que nunca a tinha isto. E tudo o que lhe disse? E seu jeito gentil? Não pensou.
Naquela sexta-feira seguinte a festa, procurou seu nome no cadastro e achou seu endereço. Foi guiada pela ira, até ver aqueles olhos quando lhe abriu a porta. Não conseguiu dizer o que queria, do jeito que queria.
“Você está pronta, não está?” – ele perguntou calmamente
“Estou” – ela respondeu sem hesitar
“Sabe o que vou lhe fazer, não sabe?” – mais uma vez, com segurança lhe perguntava
“Não me importo” •
Kevin mostrou os dentes, os olhos vermelhos e mesmo assim, não ela não sentiu medo. Ele lambia seu pescoço enquanto tirava seu vestido. Sentia seu corpo arrepiar, enquanto ele a beijava. Sentia prazer, prazer intenso, sentia seu corpo desfalecer, sua alma esvaindo aos poucos. Tudo escurecendo, seu corpo trêmulo.
Acordou sugando o pulso de Kevin.
“Assim, assim está bom” – ele dizia.
Começou a sentir dores horríveis. Dores que nunca pensou sentir em sua vida. E dormiu. Quando acordou olhava para os botões de sua camisa por, no mínimo, cinco minutos. Todas as cores pareciam mais vivas. Os sons mais nítidos, o tato muito aguçado. As sensações eram mais intensas, muito mais apaixonantes, muito mais excitantes. Gostava daquilo.
Kevin lhe explicou tudo. O que é ser um vampiro, quais suas implicações, o que podia, o que não podia. Mas lhe manteve longe do mundo. Não sabia por quanto tempo, nem sabia por que.
Previsivelmente, ele se entediou com sua presença. De alguma forma, ela sabia que ele não era como ela. Não via aquela existência como ela. Deixou-a.
Mesmo após muitos anos, ainda sentia aquela fascinação. Uma necessidade. Um abrigo. Um refúgio. Uma vida. Uma bela eternidade.
Era Natal quando Beatriz descia no aeroporto de São Paulo, rumo a casa que viveu em toda a sua infância.
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